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quinta-feira, 12 de julho de 2012

TERESINA ANTIGA

Nos festejos de São João acendiam-se inúmeras fogueiras e se enfeitavam as ruas de patis. Defronte do palácio do governo exibia-se o boi do Manoel Foguista. A cidade tinha mais casas de palha do que de telhas. Quase não havia muros nos terrenos, cercados de talos de buriti. Fabricavam-se cigarros de duas marcas: CONDOR e REI DE PAUS. Principais operários da fabricação: Antônio Cazé, Leônidas Carvalho e Domingos Ferreira. Fazedor de imagens de santos, Vitor. As quadrilhas nos bails eram marcadas pelo funileiro Gervásio, de fraque. Fabricante de violão, Lourenço Queirós. BANDAS DE MÚSICA: a dos Almeidas, a do Azevedo. A de pau de corda, composta de violão, flauta, e pandeiro, entre outros instrumentos, propriedade de Pedro Tonga. A professora de música Ana Bugyja Britto mantinha orquestra para tocar nas novenas e aniversários. As bandas da Polícia e do Exército exibiam-se nas retretas da praça Rio Branco, dividida em duas áreas, a da alta-roda, ou gente de PRIMEIRA, e  a de segunda classe: ÁGUA. Denominavam-se cargueiros os animais carregadores de água do rio para as residências, vendida de porta em porta. Pessoas ilustres apanhavam o precioso líquido no seus próprios animais. CAVALOS. O cidadão Boeiro, morador no Barracão, fundou uma escola para que os cavalos aprendessem a marchar, esquipar, trotar. Dia de domingo realizava-se corrida desses quadrúpedes do centro da cidade até a Catarina. Esporte dos ricos. Boeiro vendia fumo de corda. Homem de posses. Emprestava dinheiro até ao Estado em dificuldades. ARROZ. A primeira máquina de beneficiar arroz pertenceu ao cidadão Manoel da ria São José, hoje Félix Pacheco. Ainda trabalho se dava às pisadeiras, no pilão, iniciavam a tarefa pelas três da madrugada no bairro Vermelha. CABARÉS. Animados. Danças até de madrugada. Cada rapariga tinha sua alcova, com cama, rede, penteadeira. Serviço de bar. Mulheres sempre novas. Havia intercâmbio de protistutas de São Luís, Fortaleza e Teresina. Principais lupanares: Rosa Branca, Raimundinha Leite, Greusa, na década de trinta e quarenta. Famoso também o cabaré da Calu na Piçarra. No carnaval as meninas alugavam caminhão e participavam do corso pelas ruas da cidade. As mais aplaudidas pelos machacás. CINEMAS. Quando me entendi, eram 3 as casas exibidoras: Royal, para molecada, bancos de madeira, sem encosto, o "Olímpia", na praça Rio Branco, da elite. Muita elegância nas sessões dominicais. A princípio, fitas mudas acompanhadas de música por artistas da terra, e o Theatro 4 de Setembro, que inaugurou o cinema falado em Teresina, a partir de 1933. Depois surgiram o "Rex", o "São Raimundo", o "São Luís", o "Royal", segundo deste nome. Muito namoro em todos eles. Namoro forte. O Teatro e o "Olímpia" ofereciam, sábado e segunda-feira, respectivamente, entrada gratuitas as meninas da Escola Normal. Os gajos pagavam. Na escuridade das salas de projeção, nesses dias saudosos, vigorava a bolinação. Uma pouca vergonha, rapazes agarrados nos seios das garotas. Uma graça Teresina. Boa de viver. Inesquecível para os que a conheceram nas suas graças e atrativos.

A. Tito Filho, 04/11/1988, Jornal O Dia - p. 4

segunda-feira, 7 de maio de 2012

CIDADE SEM LEI


"Cidade sem lei" é um filme que não há muito passou no Rex. Quem assistiu ao mesmo e observa o que está se passando em Teresina no que diz respeito à ordem pública e à insegurança dos cidadãos, há de convir que a Capital piauiense é também, hoje em dia, uma cidade sem lei. Nos perímetros urbano e suburbano dão-se frequentes roubos e furtos; a jogatina mais desenfreiada campeia em todos os recantos de Teresina; legiões de mendigos - verdadeiros e falsos - invadem lares, cafés e restaurantes do centro da cidade; e até loucos, falando sozinhos e soltando pinotes, perambulam pela praça rio Branco e ruas adjacentes; das oito horas da noite em diante, a praça Rio Branco transforma-se em cabaré ao ar livre, pois na mesma se aglomeram dezenas de meretrizes; e, em pleno coração da cidade, na praça Rio Branco, quando considerável massa popular se concentrava às dez horas da manhã do dia 2, desenrolou-se a mais triste cena que se pode contemplar numa cidade civilizada, que é capital dum Estado da Federação.

José Pascoal, de espingarda em punho, acompanhado dum capanga, armado também de espingarda, dirige-se ao "Café Avenida" para atirar no negociante Antonio Couto, diretor de "A Folha", quando este estava de guarda a um cartaz do seu jornal que, na véspera, havia sido rasgado por José Pascoal.

Não entramos em detalhes sobre a questão de José Pascoal com o diretor de "A Folha".

O que nos cabe é condenar a indiferença criminosa da polícia do Sr. Rocha Furtado diante de tais fatos humilhantes e vergonhosos aos nossos foros de civilização.

O que nos cumpre dizer ao nobre povo de Teresina é que se acautele dos valentões e sicários que infestam a cidade, a sôldo do governo e de figurões da U.D.N., pois os mesmos agem com a cumplicidade da Polícia do sr. Rocha Furtado, o homem que se considera santificado em vida e vive, em Karnak, em constantes extasis infernais...

Mêses atrás, no Bar Americano, Demerval Lobão e o deputado João Carvalho agrediram covardemente o jornalista Amandino Nunes; há um mês, mais ou menos, o diretor-redator da "Resistência", jornalista Walter Miranda, recebeu inopinada e selvagem agressão de Gomez Lima, correligionário e protegido do diretor da Fazenda; e, por último, Teresina foi teatro da mais revoltante tragi-comédia, cujos protagonistas foram o José Pascoal, o seu capanga e o Couto.

A palhaçada guerreira do primeiro e o "passo de ganso" do último em direção do automovel proporcionaram agradáveis minutos de diversão a muita gente que estava na praça... Só se ouviam gargalhadas, gritos, chacotas e assobios. No momento do ataque dos bravos carabineiros, havia, na Praça, alguns policiais, que a tudo assistiram passivamente. Os agressores foram desarmados por populares.

Ambos desapareceram do local calmamente, como se nada houvesse acontecido.

Desdobrou-se, então, ali, a mais legítima cena do Far West norte-americano... Consta que a Polícia não apreendeu as armas do Pascoal e do capanga, nem tão pouco os incomodou. O Couto, ainda cansado, pálido e apreensivo, é que, uma hora depois do ocorrido, reapareceu no "Café Avenida" e la se sentado numa das bancas, a quem pediu garantias de vida, mas a resposta foi uma aspera repreensão...

E o Pascoal, horas depois, já andava na rua exibindo revolver na cinta e conduzindo um relho crú no bolso para surrar o Couto e o Mundico Santídio. Que confiança pode inspirar, portanto, ao cidadão de Teresina, sobretudo sendo adversário do governo, a Polícia do sr. rocha furtado?

Então, só a gente do governo e da U.D.N. é que tem dignidade e sensibilidade moral? Quantas ofensas e injúrias graves não teem sido atiradas contra os ilustres membros do Tribunal de Justiça do Estado, contra o Cel. Gaioso e os drs. Leônidas Melo, Pires Gaioso, Mario Batista, Claudio Pacheco, Edgar Nogueira, Santos Rocha, etc? E Eurípedes de Aguiar, João Cavalcante, Ofélio Leitão e os demais escrevedores do "O Piauí" já tiveram, por causa disto, a cabeça rachada e a costela quebrada?

Só a gente do governo, através do seu pasquim, é quem pode descompor à vontade e ofender quem quer que seja?

Logo depois da bravata do Pascoal e da fuga do Couto, o chefe de Polícia, desembargador Simplício Mendes, ao Café Avenida, completou a comédia da manhã bradando, entre arrogante e colérico, que sua autoridade não seria desrespeitada e que não admitia desordens, nem arruaças.

Ora, sr. desembargador Simplício, para que desacato maior as autoridades do que o assalto manu militari feito pelo Pascoal e o seu façanhudo capanga, na praça mais movimentada da cidade e na presença de centenas de pessoas!? Nunca houve em Teresina afronta maior à sociedade do que a praticada pelo Pascoal, no dia 2 transato. Afronta esta com a conivência ou pelo menos beneplácito da Polícia, pois os autores da tentativa de morte contra o comerciante Antonio Couto até agora nada sofreram.

No instante em que o Pascoal se afastava do "Café Avenida", o Milton Aguiar abraçou-se com ele e o acompanhou todo risonho e satisfeito. Teresina, bem como todo o Piauí, está, pois, sem governo, sem lei, em completo regime de anarquia e de falta absoluta de garantias para qualquer cidadão, principalmente para aqueles que se opõem ao governismo piauiense, cuja figura central é Rocha Furtado - lacaio mór de Eurípedes de Aguiar.


A. Tito Filho, 05/11/1949, Jornal A Resistência, página 5-6