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sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

ALVINA DE NOVO

E conheceu um sujeito de nome Argemiro Gameiro, carioca de nascimento. Ele andava teresinando, em missão educativa. Engenheiro e arquiteto ilustre e de muitos títulos. Armazenador de abundantes lições culturais. Nascido para o amor do próximo.

Casaram-se Alvina e Argemiro. Ela encontrou o segundo exemplo para quem puxar, dentro de casa, no talento e no bom gosto do marido. Sensível, amorosa, esposa dedicada, mãe amantíssima, bondade excessiva com os outros, amiga sem defeito, paciente, meiga, sempre realizou o ideal de bem servir, ao lado do cultivo da literatura e da pintura. Na prosa e na poesia concebeu uma obra animada do toque de artista verdadeira, e a escreveu com muito bem-querer, para fixar a terra, os tipos humanos, os costumes, os hábitos, os caracteres da gente perdida nos pequenos núcleos, do mundo nordestino. Isabela, magistral tipo interiorano, se incorporará às mais notáveis figuras femininas da criação literária brasileira.

O ponto alto deste "Curral de Serras" é a fixação da linguagem desses trechos humanos sem contatos com o progresso e com as transformações dos modos de viver dos povos.

A linguagem dos homens se manifesta por processos vários. Há a literatura, polida, asseada, rica, regida por preceitos gramaticais; existe a usual, despoliciada, de todas as horas, a linguagem chã, planiciana, de estragos fonéticos, governada pelo menor esforço, aquela que é veiculo de entendimento geral. Adiante, a linguagem dos gestos - dos dedos, da cabeça, do piscar dos olhos. E ainda a gíria, por via da qual o povo ironiza pessoas e episódios, e estabelecem relações entre os objetos, a gente e os fatos. E mais: o processo da linguagem emotiva e o do calão. E também uma maneira especial de comunicação, de causas profundas - um modo de ser representado pelo linguajar das pequenas paisagens populacionais, de reduzidas comunidades de povo, de lugarejos e vilas - um processo alatinado, cheio de encanto, de originalidade, de sabor ingênuo, conservado, inconscientemente, durante anos a fio, pelos habitantes desses arraiais, em virtude da segregação e da distancia.

Alvina fotografou essa linguagem que se mantém no caipira, no matuto - e a grande escritora oferece mais ao leitor um correto glossário, de natureza explicativa, tão integro quanto a ciência que a autora tem do material lingüístico estudado.

Raras vezes a vida literária nacional recebe obra de lavor e de encanto, a modo deste "Curral de Serras", romance ímpar, obra-prima de criatividade e documento da expressão sincera do caboclo nordestino.

A última obra de Alvina Gameiro tem o nome de "Contos Regionais Brasileiros", lançada em 1988. Profundo telurismo.

A. Tito Filho, 10/11/1988, Jornal O Dia.

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