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segunda-feira, 22 de novembro de 2010

As Marias

O folclore mostra a vida coletiva na sua cultura material e na sua cultura espiritual. As águas constituem fontes de lendas, mitos, fantasias, imaginações. Na Bahia, os pescadores celebram o despacho da mãe-d'água, cerimônia mágica em que se atiram oferendas ao mar para aquela personagem mística os liberte de infortúnios na pescaria. A tradição mediterrânea está nas sereias, a que Homero se referiu. A iara tem encantos irresistíveis, que o genial piauiense José Newton de Freitas pôs num poema, ao cantar o jangadeiro:

Enquanto seus filhos
ficaram chorando
ele está morando,
beijando, beijando
a iara bonita,
no fundo do mar!...

O paciente pesquisador Josias Carneiro da Silva reviveu num livro monstros aquáticos, que a tradição recolheu e guardou. Mas Josias realiza o seu mais brilhante estudo com o cabeça-de-cuia, que o talentoso piauiense João Alfredo de Freitas colocou em "Lendas e Superstições do Norte". No estudo, erudito e revolucionário, o atemorizador de pescadores e donzelas dos rios Poti e Parnaíba figura como atração principal. Nem poderia deixar de ser assim.

Josias dá nova interpretação ao cabeça-de-cuia - a de incestuoso e condenado, para o desencanto, a deflorar sete Marias, proeza dificílima neste mundo de hoje, de mulheres sem cabaço.


A. Tito Filho, 28/12/1988, Jornal O Dia.

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