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domingo, 31 de outubro de 2010

OUTROS PADRES

Outro dia, neste pedaço de jornal, escrevi sobre sacerdotes católicos que prestaram devotados serviços a Teresina, os que eu conheci e os que viveram antes de mim. Depois dei-me uns bons cocorotes, pois me esqueci do padre José Luiz Barbosa Cortez, humilde, alma cristã boníssima, inteligente e culto. Foi meu colega no magistério do Colégio São Francisco de Sales.

Na história da Academia Piauiense de Letras existem ilustres ministros de Cristo, como Dom Avelar Brandão Vilela, Cirilo Chaves Soares Carneviva, Raimundo Alves da Fonseca, Joaquim Sampaio Castelo Branco e Leopoldo Damasceno Ferreira, para citar os mortos. Dos três primeiros escrevemos aqui algumas linhas. Agora sobre os dois últimos.

Joaquim Sampaio Castelo Branco nasceu no antigo Livramento, hoje José de Freitas (PI), em 1860. Faleceu no Rio, 1892. Presberito da diocese do Maranhão. Doutor em Direito Canônico pela Academia Pontifícia de Santo Apolinário, Roma. Bacharel em teologia pela Universidade Católica de Paris. Professor de francês do Liceu Maranhense. Jornalista, fundou, em São Luís, "O Mensageiro", que tanto se distinguiu na defesa da libertação dos escravos. Excelente orador sacro. Publicou "O padre deve ser casado?", em que estuda exaustivamente o assunto, quer do ponto de vista histórico, apologético e teológico, quer do ponto de vista político, filosófico e social.

Leopoldo Damasceno Ferreira nasceu em Oeiras (PI), 1857, e faleceu em São Paulo, 1906. Doutor em cânones (1884), depois de proveitoso tirocínio no Seminário de Saint-Sulpice de Paris. Visitou a Suíça e a Itália. Domiciliou-se no Maranhão, em cuja capital exerceu o magistério de latim e francês do Liceu Maranhense, diretor do Seminário das Mercês e deputado estadual de 1899 a 1900. Jornalista, deu colaboração a ilustrados jornais de São Luís, entre os quais "Pacotilha". Orador de inestimáveis virtudes, poeta, grande batalhador em prol do credo católico. A seu respeito escreveu Clodoaldo Freitas: "Foi, nestes últimos tempos, o campeão de teologismo entre nós, e bateu-se, pela imprensa, em defesa do credo católico com a louçania de um convencido. Sustentou polemicas acres e veementes, demonstrando sempre copiosa e larga cultura. Distinguiu-se como orador sagrado, como jornalista e os íntimos o denunciavam também como um poeta de inspiração e sentimento. Tinha coração de patriota para amar a pátria, sentir suas dores e suas alegrias. Era uma rara exceção entre o clero brasileiro, tão diferente do clero de outrora".


A. Tito Filho, 17/06/1988, Jornal O Dia.

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

DRUMMOND

Corria o ano de 1972, em que se salientavam três acontecimentos da vida cultural brasileira: os 400 anos do poema épico de Camões, português mas cidadão do mundo, os 75 anos da Academia Brasileira de Letras e os 50 anos da Semana de Arte Moderna de São Paulo. Era no primeiro governo de Alberto Silva e este me fez carta de convite para que a administração e a Academia Piauiense de Letras festejassem tão ilustres acontecimentos. Arrumei a sacola com umas duas cuecas, o mesmo tanto de blusões e surrada calça de casimira ordinária - e no aviãozão de jato viajei ao Rio incumbido de convidar os oradores das solenidades, cada uma a seu tempo. Levei os ofícios governamentais. Primeiro, Martins Napoleão falaria em setembro, sobre o célebre Os Lusíadas. Um mês depois, seria o segundo festejo. Palestra de Odylo Costa Filho. Os dois convocados aceitaram a missão e assumiram o compromisso respectivo. Faltava o terceiro, o muito querido, o poeta sem peias, o papa da poesia nacional - Carlos Drummond de Andrade. Procurei-o no seu jornal, em que deliciava o Brasil com a ironia de crônicas inimitáveis. Disseram-me que era homem difícil de encontrar, mas me forneceram endereço e telefone. Telefonei-lhe do hotel, disse-lhe que tinha incumbência do governador do Piauí, marcou encontro na residência, fixou dia e hora, e eu fui dar ao apartamento de Copacabana, lugar de repouso do monstro sagrado. Recebeu-me afavelmente, de esmerada educação. Em sala ampla, de muito conforto, tomei assento em sofá bom de descanso e disse-lhe do meu recado. Entreguei-lhe a correspondência de Alberto Silva.

Ele a leu, sorriso safado no canto direito dos lábios:

- Se bem entendo, o governador do seu Estado quer que eu faça uma conferencia sobre a Semana de Arte Moderna. Mas, professor, diga-lhe que eu nunca fiz palestra, discurso, conferencia, nada desse tipo de cousa, e não seria interessante começar pelo Piauí. Esclareça-me um ponto, professor, como o governador Alberto Silva teve a lembrança do meu nome?

Eu fiquei chateado com as observações de Drummond. Diabo! A recusa me deixou pequenino, aflito, mas o negócio de não começar a fazer discurso logo no Piauí me arrasou, eu que estava repleto de orgulho que a gente sente quando se encontra em companhia de pessoa graúda. Depressa, vingança na ponta da língua, dei a resposta:

- Poeta, o governador teve a lembrança do seu nome por razão simples e generosa, pois ninguém o conhece no Piauí e ele pensou em projetá-lo por lá, junto aos piauienses.

Carlos Drummond de Andrade, a meu lado, espalmou a mão, desceu-a na minha coxa, num estalo, e consentiu no meter das buchas:

- Estamos quites, professor, estamos quites!

E riu, um riso de boca não muito aberta, assim como que encabulado.


A. Tito Filho, 17/04/1988, Jornal O Dia.    

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

MOURA RÊGO

Raimundo de Moura Rêgo nasceu na antiga vila de São José dos Matões, hoje cidade de Matões, a 23/06/1911. Viveu a adolescência, a mocidade e parte da vida adulta em Teresina, a que ele dedicava extremo afeto. Contador, Bacharel em Direito. Professor da antiga Escola Industrial. Inspetor Federal do ensino. Inspetor fiscal do Imposto de Consumo. Advogado.

Jornalista militante fez parte da antiga Associação de Imprensa do Piauí, com Cláudio Pacheco, Álvaro Ferreira, Martins Napoleão, Joel Oliveira e muitos outros. Em Teresina dirigiu a revista "Garota", de feição literária, e participou de vários movimentos intelectuais de jovens, como Arcádia dos Novos e Cenáculo Piauiense de Letras - colaborando nas revistas e jornais representativos desses movimentos e agremiações, com Odilo Costa, filho, Anísio e Wagner de Abreu Cavalcante, Viana Filho, Jacob Martins, Emílio Costa, Clemente Fortes, Firmino Paz e outros.

Músico, deu concertos de flauta, violão e violino. Especializando-se neste último instrumento, fez-se aplaudir em inúmeros recitais realizados não só em Teresina como em Fortaleza e São Luis do Maranhão. Continuou no Rio tocando violino em reuniões familiares com outros amadores. Em Teresina, foi uma espécie de introdutor de todos os artistas que a visitaram, especialmente na década de 40, recebendo-os, apresentando-os em público e cooperando com eles na execução dos respectivos programas. Exerceu a crítica de arte nos jornais "Vanguarda" e "Diário Oficial". Em 1941 realizou, com Antilhon Ribeiro Soares, a opereta "Uma noite do Oriente", levada a efeito, com sucesso, primeiro no auditório do Liceu Piauiense e depois no Teatro 4 de Setembro, sendo autor dos versos da maioria das músicas apresentadas e, além de violinista, regente do conjunto orquestral por ele mesmo organizado com amadores locais e músicos das bandas da Polícia e do Exército.

Moura Rêgo abrilhantou as mais queridas festas artísticas do Teatro 4 de Setembro. Exímio flautista, foi encanto da chegada de misse Piauí, do Rio, em 1929. Clarinetista, pianista, encontrou ainda no violino o seu instrumento de beleza. Compositor, poeta, prosador, memorialista.

Mereceu elogios de Martins Napoleão, Cláudio de Sousa, Jonas da Silva, Cruz Filho, Carlyle Martins, Celso Pinheiro, Cleómenes Campos, Malba Tahan e outros críticos e homens de letras do Brasil.

Publicou: "Ascensão dos Sonhos", poesias da juventude, 1936; "Trovas", 1942, e "Gritos Perdidos", 1944. No Rio, em 1987, editou "Em Surdina - Trovas e outras Cantigas". Dele a Academia Piauiense de Letras fez edições de três obras: "Contracanto", os seus melhores instantes de sensibilidade poética, o mestre do verso, cheiroso a amor, de alexandrinos perfeitos; "As Mamoranas estão florindo", história de uma fazenda e de uma época, no Maranhão, romance documentário, tipos, costumes, dureza da vida, gente abandonada; "Notas Fora da Pauta", memórias de Teresina, em que conta o pedaço mais bonito da sua vida, narra a maravilhosa fase artística teresinense de participou, com alma e coração, relembra nomes de que a cidade se orgulhava e fatos deliciosos dos tempos idos - uma Teresina pobre, mas alegre, rica do espírito de sua gente modesta, trabalhadora, fraterna - e nela esteve Moura Rêgo em serestas de amor e bem-querer.

Faleceu no Rio a 12 de março de 1988.


A. Tito Filho, 16/07/1988, Jornal O Dia.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

FÉLIX - III

Eis a obra de Félix Pacheco:

Poesia: "Chicotadas" (versos revolucionários - 1897), "Via Crucis" (1900), "Mors-Amor" (1904), "Luar de Amor" (1906), "Poesias" (1914), com edição definitiva organizada pelo autor em 1932; "Inezita" (1915), "Marta" (1917), "Tú, só tu..." (1917), "Lírios Brancos" (1919), "O pendão da Taba Verde" (1919), "Estros e Pausas" (1920), "A Aliança de Prata" (1932), "Descendo a Montanha" (1935), citado também com o título de "Descendo a Encosta".

Traduções: "A identificação pelas impressões digitais", de Locard (1903), e produções de Bousset, de que publicou vários excertos (1928).

Trabalhos científicos: "O problema da identificação" (1901), "O sistema de Vucetich", "O serviço de identificação no Brasil" (tese-1906).

Estudos históricos: "O publicista da Regência" (Evaristo da Veiga), 1899; "Pela Defesa Nacional", "Marques de Paranaguá" (1907), "Um Francês-Brasileiro" (Pedro Plancer - história do Jornal do Comércio), "Duas Charadas Bibliográficas: Raymond Poincaré e Louis Barthou".

Crítica: "Dois Egressos da Farda" (Euclides das Cunha e Alberto Rangel), "Em louvor de Paulo Barreto" (1921), "A Canaã de Graça Aranha" (1931), "Do sentido do Azar e do Conceito de Fatalidade em Charles Baudelaire" (1933), "Baudelaire e os Milagres da Imaginação" (1933), "Paul Valery e o Monumento a Baudelaire" (1933), "O Mar, através de Baudelaire e Valery" (1933), "Baudelaire e os Gatos" (1934), "A Academia e seus problemas".

Publicou dezenas de conferencias e discursos sobre os mais variados temas: economia, estudos sociais, direito, literatura, crítica, política nacional e internacional, história, finanças, civismo e diplomacia.

*   *   *

Félix Pacheco pertenceu a segunda geração dos poetas simbolistas brasileiros. Muito trabalhou pelo movimento, colaborando ativamente na revista "Rosa-Cruz", de Saturnino de Meireles. Mais tarde converteu-se ao parnasianismo, refazendo muitas das suas produções.

Grandes vultos das letras pátrias elogiaram a inteligência e a capacidade intelectual de Félix Pacheco, bem assim a sua extraordinária personalidade, plena de bondade e afeto para com o próximo.

Principais fontes para o estudo da obra literária de Félix Pacheco: "Estudo da Literatura Brasileira" (2ª série), de José Veríssimo; "Páginas de Crítica", de Medeiros e Albuquerque; "Contribuição à História do Modernismo", de Tristão de Ataíde; "Panorama da Poesia Brasileira" (volume IV), de Fernando Goes; o "Panorama do Movimento Simbolista Brasileiro" (volume 2), de Andrade Murici.

Filho do Governador Gabriel Luís Ferreira e irmão do governador João Luís Ferreira, o nosso Félix adotou as designações familiares de Teodoro Alves Pacheco, parente que tudo fez pela felicidade e pelas vitórias do poeta no Rio de Janeiro. Chamou-se José Félix Alves Pacheco.


A. Tito Filho, 15/10/1988, Jornal O Dia.

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

TIPOS

Teresina, ano da graça de Nosso Senhor Jesus Cristo de 1988, cento e trinta e seis anos de nascida, por mãos de José Antônio Saraiva, sob auspícios da bondosa imperatriz. A cidade está sendo homenageada, festejada, cantada em verso e elogiada em prosa. Uma centena de historiadores conta episódios, recorda coretos e pracinhas onde namoravam moças-donzelas. Nelas hoje habitam quase só DONZELOS. O baiano macho que CHANTOU a cidade na Chapada do Corisco, depois de derrubar a mataria de muitos bichos, está em todos os jornais. A seu lado trabalhava um português inteligente, o João Isidoro, mestre-de-obras de competência proclamada.

Ninguém recordou os tipos populares da antigamente gostosa comunidade, os doidos-mansos, que faziam rir a meninada travessa e os maduros e os velhos.

Noutros tempos, existiu MARTINIANA, de alcunha CAPITOA, negrona corpulenta, voz forte, sempre disposta. Nasceu na primeira capital do Piauí. Em Teresina exercia a função de quitandeira. Contam que tinha atividade viril. Gostava de furdunço e fazia voz de homem para mulheres invertidas. Andava de enorme chapéu de palha de carnaúba na cabeça. No rebuliço de enorme corpulência, caminhava nas ruas tocando pandeiro e recitando quadrilhas que ela mesma fabricava.

Pelo começo do século houve o BALAIEIRO, católico desses de irmandade: Criou o verbo CHUMAR, o mesmo que beber cachaça ou outro ingrediente de espírito. Gostava de sentar-se à porta de casa, tardezinha, a tocar viola desafinada. Tratava conhecidos e desconhecidos por MEU BEM e a todos pedia dinheiro para CHUMAR.

Outro foi Feliciano, o MAROMBA. Inteligente. Físico bonito. Rebentava rapadura na cabeça. Brincalhão. Zangado semelhava o capeta. Subia e descia rua com um caixãozinho de defunto debaixo do sovaco, em que, segundo afirmava, conduzia ANJO, menininho que morria bem cedo, sem pecado e sem batismo e tinha morada eterna num lugar chamado LIMBO.

*   *   *

Relacionei os tipos populares que não conheci. Encontrei-os na crônica de jornais velhos. Quando me entendi nestes espaços de José Antônio Saraiva, a doidice mansa tinha outros representantes. Dondon era dono de jornal. Atacava gente graúda. Um dia os poderosos o puseram no hospício. Quando saiu, mais xingou os políticos e escreveu que passou dez dias no asilo, seis por conta do governo e quatro por sua conta. Vendia capim em lombo de jumento. Ensinou jegue a cumprir voz de comando: esquerda, direita e alto. Calçava alpargatas vistosas, oferecendo pelas vias públicas capim aos burros de Teresina. MARIA SAPATÃO deixou saudades. Nenhum parentesco tinha com o SAPATÃO de hoje em dia, pois assim chamada em virtude de usar sapatos enormes. Negra gorduchona, beiços imensos, dentes alvos, peitões caídos, barriguda e bunduda, enfeitava-se com um dilúvio de pulseiras ordinárias nos braços roliços, anéis nos dedos, até no polegar. Andando rua acima, rua abaixo, mostrava um toque de nobreza idiota. JAIME DOIDO tornou-se admirado porque rejeitava dinheiro. AVIÃO ainda não passou desta para pior morada. Põe caixa de papelão na cabeça e sai a enchê-la de quanta besteira apanha pelas calçadas. Imita velhos filmes de aviação: faz o ronco da aeronave e o acompanha de movimentos ondeados da mão direita espalmada. Imita o MOCINHO e mata os bandidos covardes. Perito em furtar peru no Natal.

Todos merecem homenagem de homens e mulheres, pesquisadores e historiadores, uns trezentos, neste aniversário da cidade que Saraiva idealizou e construiu. Homenagem dos presentes e dos pósteros. Davam espetáculo na via pública. De graça. Um deles prossegue nas representações. Atores mais talentosos do que os bons de juízo da Federativa República do Brasil.


A. Tito Filho, 16/08/1988, Jornal O Dia.

domingo, 24 de outubro de 2010

CIDADES

Érico Veríssimo gostava das cidades que ele não conhecia, porque elas lhe revelavam novidades. Mestre Silva Melo passeou o mundo todo. Em Las Vegas, cidade norte-americana do jogo e do pecado, esse médico ilustre disse que o povo dormia durante o dia e passava a noite acordado.

Quando esse colega estudioso e sabedor das cousas do universo oeirense e de outros recantos do mundo, chamado Dagoberto Ferreira de Carvalho Júnior, publicou o delicioso PASSEIO A OEIRAS, escrevi que as cidades têm alma, jeito próprio de ser e de parecer. Nunca são iguais, cada qual com os seus encantos e as suas fealdades. Paris, Nova Iorque, Xangai, Londres, Moscou, imensas aglomerações humanas, possuem marcas e traços especiais que as definem. O Rio de Janeiro, que conheci um amor de gente, de mulatas as mais dengosas do mundo, certinhas, pescoços, bons de cheiro, continua uma paisagem encantadora. Existem cidades mortas, monótonas, ociosas, convidativas, hospitaleiras, feias e bonitas. Ouro Preto, em Minas, relembra os idílios platônicos de Marilia e Dirceu. Oeiras, no Piauí cheira a passado. Relíquia de civismo. Recolhe a memória dos amores madrugadinos do seu maior fazedor de menino, o patriota e lutador Manuel de Sousa Martins, tangedor e dono de gado, de vastos cabedais, experiência e sabedoria. Há cidades artificiais, como Belo Horizonte, Goiânia, Brasília e o xodó de nome Teresina, que José Antônio Saraiva mandou edificar no meio da mata de um pedaço do Piauí. Teresina foi cidade-poema, gostosa de pracinhas inesquecíveis, garotas que sabiam como ninguém o maravilhoso namoro dos olhos. Agora anda meio violenta, mas conserva alguma cousa de um passado bonito como quê.

Algumas aglomerações humanas são fumegantes, a exemplo de São Paulo, poluída, matando as pessoas nas ruas por falta de respiração adequada.

De mim gosto das cidadezinhas de interior, amoráveis, donde o afeto ainda não fugiu, apesar da deseducada televisão. Nunca me esqueço de Nossa Senhora dos Remédios, de duas ou três ruas, gente pacata, animadas festas de igreja. Nela, por perto, existem riachos de águas transparentes, convocando ao banho bem gostoso. Ainda contam os pássaros nas árvores e a gente come beijus de sabor inigualável e bolos fritos que o paladar não esquece. Antigamente se chamava Peixe e aí situava a fazendola de meu pai, com  os cercados, e de madrugadinha se tirava e bebia o leite morno das vacas pacientes.

Toda cidade tem características próprias. Não se encontra uma igualzinha a outra. As cidades por assim dizer têm alma, uma alma definida, que as identificam. As vezes elas têm a alma da gente, quando nelas vivemos parte de cada uma das nossas vidas, da forma que se verificou comigo: infância no querido Peixe, adolescência em Porto, mocidade nesta querida Teresina, benquerença do coração.


A. Tito Filho, 10/07/1988, Jornal O Dia.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CEARÁ

Estudei em Fortaleza três anos. Tive bons mestres e quanto me recordo de Colombo de Sousa, Mardônio Botelho, Raimundo Cela - e desse admirável Martins Filho, que se formou no Piauí, e depois seria o arquiteto da Universidade Federal do Ceará.

O Piauí deu à terra alencarina algumas figuras de grande conceito em diferentes áreas da inteligência. Dos mais antigos, podem citar-se Francisco Alves Lima, nascido em Pedro II, ano de 1869, poeta e jurista. Odorico Castelo Branco, de 1876, o famoso educador do Colégio Castelo. O ilustrado jurista Luís Correia, mestre da Faculdade de Direito do Ceará. O intelectual Victor Hugo, nascido em Floriano, 1898. O desembargador e jurista Antônio Soares da Silva, jurista, de Valença onde nasce em 1903.

Os cearenses costumam relacionar como conterrâneo seus José Coriolano de Sousa Lima. É bem de ver que esse profundo lírico, romântico, cantor da natureza, nasceu em Vila do Príncipe Imperial, em 1829, quando a vila pertencia ao Piauí, passando ao Ceará muitos anos depois, com o nome de Castelo.

Dos piauienses nascidos da década de 20 em diante e que se fixaram em Fortaleza, vitoriosos na vida cultural da nova terra de trabalho, lembro-me de Teoberto Landim, das bandas de Pio XII, contista, ensaísta e romancista. E mais: poeta Vasques Filho (Teresina); Flávio Portela Marcílio, deputado, governador, orador (Picos);, Cláudio de Almeida Santos, jurista, de Parnaíba (1935); Herbert Maratoan Castelo Branco, desembargador, jurista; Barros de Pinho, político, poeta, secretário de Estado, de Teresina (1939); Emanuel de Carvalho Melo, pintor, poeta e prosador, vindo ao mundo em Piripiri, 1950. E essa exemplar figura de virtudes muitas Geraldo Fontenelle (1934), de Batalha.

Deve haver mais gente nossa por lá, como Genuíno Francisco de Sales e outros cristãos sinceros.

Geraldo Fontenelle mereceu eleição para a Academia do Longá - entidade prestigiosa, e brevemente se empossará na cadeira. Jornalista de mérito. Poeta de versos cósmicos, novelista. Escreveu livros projetados como "Notas do Caderno de um Repórter", "As estrelas brilham também durante o dia", "Porto Cinzento", "Idéias - Ação e Atualização" e recentemente publicou "Os castiçais dos mortos", em que desfilam figuras humanas impecavelmente retratadas, nos simples como nos complexos caracteres. Geraldo é antes de tudo cronista talentoso, fiel observador da vida e dos tipos que nela se agitam. Sabe compor a escritura com arte e limpidez de linguagem.

Não se tenha dúvida de que Geraldo vale uma forte fonte de riqueza da literatura cearense, para alegria do Piauí. De fidelíssimas crônicas fortalezenses.


A. Tito Filho, 08/04/1988, Jornal O Dia.    

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

TEMPO DE LEITURA

Nos meus brincos de infância, em Barras e no velho Marruás, hoje Porto, gente idosa, parentas velhas, caboclos da terra contavam estórias bonitas e medonhas, umas de arrepiar cabelo, outras de deleite e encantamento. Quando da adolescência em Teresina, meninos do meu tope se reuniam de noite nas calçadas do médico Benjamin Baptista, conceituado e culto, e cada qual narrava contos de macaco, de onça, de gigantes, de heróis e de bandidos - e um desses colegas era filho do dono da casa, Stanley, que pela dedicação aos livros e caráter bem formado, se tornaria das mais brilhantes figuras do Exercito Nacional. Momentos felizes e alegres, dava gosto vivê-los, e nunca se supunha que eles se fossem, deixando memórias inesquecíveis.

Aos dez anos de idade comecei a ler romances nacionais e portugueses. Li "A moreninha", de Macedo, e a obra completa de José de Alencar. Nessa época, Juca Feitosa, figura muito conhecida, rico comerciante, mantinha na capital piauiense loja de vária mercadoria, inclusive livros. Tive oportunidade de adquirir obras lusitanas, algumas de Camilo Castelo Branco e uma, bem me lembro, de exagerado romantismo - "Tristeza a Beira-Mar", de Pinheiro Machado. Vendia-se também a Coleção SIP, constituída, de romances "de aventura e de amor", que traziam, na capa, dois dedos em forma de V e por baixo do desenho a escritura MIL RÉIS, isto é, cada volume valia dois mil réis - e MIL RÉIS foi a unidade monetária vigorante até 1942. Entre muitos, apreciei "A patrulha da madrugada" e "Naná". Júlio Verne estava na moda. Tomava-me de entusiasmo com a sua ficção maravilhosa, que se incorporou à história contemporânea, com a visita do homem a lua. Li quase tudo admirável do francês. Da adolescência tão presente ainda no meu espírito foi a série de publicações TERRA-MAR-E-AR. Livros de tipos bons e tipos maus, em terras estranhas e distantes. Pratiquei leitura de Tarzan, o herói das selvas africanas criado por Edgar Rice Burroughs - e pratiquei-a de fio a pavio, como se houvesse ditame de um pacto governamental da era politica cujo inicio se deu em 1964.


A. Tito Filho, 13/12/1988, Jornal O Dia.

AINDA FOLCLORE

Referem-se os folcloristas ao folk-tale, estudo dos mitos, contos e lendas tradicionais. A literatura se povoa de muitos contos e romances e de personagens da vida real enfeitados pela imaginação popular. As comunidades sustentam que o povo aumenta, mas não inventa - e as estórias recebem acréscimos guardando, porém, a essência da verdade. A fantasia dos lobisomens nasceu de episódios verídicos. Ninguém ainda se deslembrou do padre que virava bicho e de noite pulava no meio da estrada para assaltar mulheres com fins libidinosos. Uma destas, corajosa, enfrentou a visagem e deu-lhe segura facãozada. Descobriu-se depois que o vigário tinha um braço decepado.

Não cabe aqui estabelecer diferença entre mito, conto e lenda, mas dar a esta a característica de provir da concepção popular em torno de acontecimentos, de heróis, de individualidades famosas. As lendas se apóiam em fatos e pessoas tradicionais, que passaram de geração a geração, modificando-se.

No Brasil, figuras históricas participaram do folclore, e entre outras cumpre salientar Ana Jansen (Maranhão); Manuel de Sousa Martins (visconde da Parnaíba), Luís da Carlos Pereira de Abreu Bacelar (Luís Carlos da Serra Negra) no Piauí; Dona Beja e Xica da Silva (Minas Gerais), Amadeu Bueno (São Paulo), dos quais se espalham gestos e atitudes às vezes oriundas da interpretação popular.


A. Tito Filho, 15/12/1988, Jornal O Dia.   

terça-feira, 19 de outubro de 2010

FOLCLORE

Folk é povo; lore é ciência. Folclore - ciência do povo, ao pé da letra.

Tenho que folk corresponde a povo em sentido espiritual, de força para impor costumes e hábitos. Em sentido material, de habitantes, o inglês usa people.

É longa a história de folk.

O céltico bal (força, multidão), também pronunciado val, entrou para o latim, e nesta língua deu valere (ser forte, valer), vallare (fortificar) e vulgare (espalhar, divulgar). Entre os derivados de vulgare está vulgus, o povo, a multidão, o vulgo português, o volk alemão e o folk inglês. O folclore (aportuguesamente) - diz Gustavo Barroso - abraça vastíssimo quadro da vida popular. Pode se dizer que é toda ela: construções aldeãs, marcas de propriedade em cousas e bichos, objetos úteis, arte, psicologia das gentes, costumes, ornatos, vestes, alimentos, cerimônias, regras jurídicas, jogos, folguedos, brinquedos infantis, instrumentos, religião, superstições, medicina, canções, provérbios, inscrições, músicas, danças, autos, pastorais, facécias, anedotas, linguajar, contos, mitos, lendas, denominações de toda espécie.

Em virtude de abranger todos os processos de vida do povo, no passado como no presente, já se chama o folclore de folk-life. Life é vida.

Joaquim Ribeiro acentua que a palavra folclore está consagrada como denominação da ciência destinada a estudar infra-história dos povos. Pura ciência histórico-social.

Parece que o folclore é um só, comum a todos os povos. Artur Passos salienta tal circunstância: "Outro aspecto do maior interesse ainda é o atinente ao folclore regional, se é que o folclore tem região, se o seu local não é apenas uma configuração do vasto campo mundial".


A Tito Filho, 14/12/1988, Jornal O Dia. 

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

PIAUIENSE ILUSTRE

Moysés Castello Branco Filho completou 83 anos em janeiro. Nasceu numa Teresina pequenina e feliz, pobre de dinheiro, porém riquíssima de valores espirituais. Cursou a Escola Militar do Realengo e a Escola de Engenheiros Militares. Participou da Missão Cartográfica Austríaca. Combateu contra a Coluna Prestes, em 1926. Oficial da Missão Rondon. Professor de Cálculos Geográficos. Detentor de Prêmios por serviços culturais e por bens e serviços ao Exercito.

Teve vida intelectual. Publicou vários trabalhos técnico-científicos. Pesquisador inteligente e de rara acuidade, incorporou ao patrimônio do Piauí estudos valiosos, de que se destacam "História da Revolução no Piauí", "Manuel Tomaz Ferreira - Um Patriarca Piauiense" e "O Povoamento do Piauí".

Conheci-o pessoalmente em 1974, quando o velho militar pretendia publicar uma segunda edição revista sobre os movimentos militares que empolgaram principalmente Teresina, a exemplo do cerco da Coluna Prestes, da chamada Revolução de 1930, com a deposição de Humberto de Areia Leão e, por fim, a apelidada revolução dos cabos, à frente da qual o cabo Amador, que, com os colegas da tropa, dominou a oficialidade do 25º Batalhão de Caçadores, colocou o quartel sob suas ordens, prendeu autoridades.

Fiz, no Rio, a segunda edição desse depoimento de Moysés, que atingiu o generalato da reserva.

Nos últimos tempos, entregara-se ele de corpo e alma a pesquisas sobre a gente piauiense. Distribuiu os esforços nos cinco fascículos sob a denominação de CLICLO DO VAQUEIRO: "História de uma Bandeira", a penetração do Piauí, "O Povoamento do Piauí", séculos XVIII e XIX, "História do Comércio de Teresina", com a atividade de sírios e libaneses, "A família rural do Piauí", do século XVII ao XIX, e "A Habitação", entre os séculos XVII e a metade do século XX.

Historiador conceituado, militar de brio, cidadão de hábitos inatacáveis, culto estudioso, leal aos sentimentos e aos deveres, Moysés Castello Filho honrou o seu Piauí no exercício de cargos ilustres e no desempenho de funções de responsabilidade.

A 7 de Setembro deste 1988, perdi o caro amigo. Faleceu no Rio, no seu apartamento da rua Barata Ribeiro. Deixou aos conterrâneos exemplos de honradez e amor constante - e isto vale o mais rico e nobre dos patrimônios espirituais.


A. Tito Filho, 15/07/1988, Jornal O Dia. 

domingo, 17 de outubro de 2010

LUCÍDIO

Nasceu e faleceu em Teresina (1894-1921). Pais: Clodoaldo Freitas, uma das maiores figuras intelectuais do Piauí, e Corina Freitas. Bacharel aos 19 anos de idade pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro. Na capital piauiense, delegado-geral de Policia e professor de história do Brasil no antigo Liceu Piauiense. Retornando a antiga sede do Governo da República, cultivou a literatura e o jornalismo, incentivando por Coelho Neto, Félix Pacheco, Clóvis Bevilaqua. Fixou-se, ao depois, em Belém (PA), onde foi juiz criminal (substituto) e realizou grande atividade intelectual. Professor (substituto) de Teoria e Prática do Processo Civil e Comercial da Faculdade Livre de Direito do Pará, cátedra que conquistou por concurso. Foi o principal fundador da Academia Piauiense de Letras.

Orador e conferencista, de eloqüência privilegiada. Jurista de aprofundado saber. Foi principalmente poeta. Lírico por excelência.

Escreveu: "Alexandrinos" (sonetos), de colaboração com o irmão Alcides Freitas (1912); "Vida Obscura" (versos), 1917; "Minha Terra", (poesias), 1921. O primeiro foi festivamente recebido pela critica nacional, muito elogiado por José Veríssimo e Osório Duque Estrada. Grande triunfo de Lucídio. No segundo, há o poeta espontâneo, pleno de amargura. No terceiro, surge o enamorado da terra piauiense, que ele tanto amou.

Publicou ainda "Questões Processuais" tese de concurso para a Faculdade de Direito do Pará, trabalho de invulgar cultura.

De Lucídio Freitas disseram:

- Cristino Castelo Branco: "... causer delicioso, pleno de elegancia, de graça, de espirito, de finura, de distinção...".

- Tito Franco: "Amo-o dentro do seu talento criador, jovem e formoso".

- Raimundo Morais: "Da primeira vez que o vi, sua memória me deslumbrou. Recitava de cor tudo o que havia escrito".

- Peregrino Júnior: "Os seus versos podem e devem figurar em todas as antologias do Brasil, porque são dos mais significativos que a nossa literatura possui".

- J. Miguel de Matos: "Lucídio Freitas, se não foi o maior, foi um grande instante das letras do Piauí..."

- Joaquim Chaves (monsenhor): "Sentiu mais que todos os outros o atrativo da beleza e a desilusão da criatura limitada. Havia nele a mescla singular de uma alma pagã, toda virada para a terra e, simultaneamente, o divino acicate de um pressentimento que não o deixava deter-se, a fome de infinito que o levava a voltar-se para a ampliação dos céus".


A. Tito Filho, 16/04/1988, Jornal O Dia.

sábado, 16 de outubro de 2010

ABOLICIONISTAS

No Piauí, ilustres escritores e jornalistas participaram corajosamente da campanha pela libertação do elemento negro. Oradores inflamados e de extraordinária eloqüência, sob aplausos constantes de platéias numerosas, pregavam as idéias abolicionistas. Lembro nesta crônica alguns que se integraram na campanha cívica e que pertenceram, como patronos e titulares de cadeiras, aos quadros da Academia Piauiense de Letras, citando-se apenas os mais destacados de inteligência e projeção popular, como David Caldas, o talentoso jornalista, considerado profeta da República; Anísio de Abreu, fez versos primorosos na defesa dos pretos sofredores; o médico famoso, amigo dos pobres e dos humildes, Raimundo de Areia Leão, cujas poesias simples, de profundo lirismo, cantaram o sofrimento do homem da senzala; Joaquim Ribeiro Gonçalves, que no quarto ano de Direito, publicou o livro EMANCIPAÇÃO, com estas imprecações finais:

Maldito sejas tu, passado,
insano;
Maldita tu, oh!  Velha geração;
Tu que fizeste o cativeiro
humano,
Tu que fundiste o raio - a
escravidão!

Deolindo Mendes da Silva Moura realizou oratória tocada de beleza, cheia de metáforas e de invocações em favor dos negros.

Higino Cunha começou a participar do movimento na época em que, no Recife, freqüentava o segundo ano jurídico. Nas férias, foi companheiro de José do Patrocínio em viagem de propaganda abolicionista a Fortaleza. Conheceram-se no vapor em que ambos viajavam: o TIGRE vinha do Rio, Higino buscava o Piauí, mas demorou-se quinze dias na capital cearense, hospedado no mesmo hotel do famoso preto, filho de escrava.

O patrono da cadeira 1 da Academia Piauiense de Letras, JOSÉ MANUEL DE FREITAS, parece-me que foi o primeiro magistrado a recusar aplicação de castigos corporais aos escravos, como determinava o artigo 60 do Código Criminal do Império: "SE O RÉU FOR ESCRAVO E INCORRER EM PENA QUE NÃO SEJA A CAPITAL, OU DE GALÉS, SERÁ CONDENADO NA DE AÇOITES, E DEPOIS DE OS SOFRER, SERÁ ENTREGUE AO SEU SENHOR, QUE SE OBRIGARÁ A TRAZÊ-LO COM UM FERRO, PELO TEMPO E MANEIRA QUE O JUIZ DESIGNAR. O NÚMERO DE AÇOITES SERÁ FIXADO NA SETENÇA E O ESCRAVO NÃO PODERÁ LEVAR, POR DIA, MAIS DE CINQUENTA".

Inspirou-se esse piauiense de Jerumenha na lei de 28 de setembro, de 1871 que deu ao escravo personalidade jurídica. Não mandou aplicar chicotadas a um escravo criminoso, pois considerou bárbaro e revogado o mandamento legal.

Os ferrenhos inimigos do abolicionismo não gostaram da decisão do juiz, que o governo procurou castigar, removendo-o para os cafundós de Goiás. José Manuel de Freitas tomou-se de profunda mágoa, não resistiu à perseguição perversa e pouco depois falecia de comoção cerebral, no subúrbio de Caxangá da capital pernambucana.

Os belos sentimentos espirituais e humanitários de José Manuel de Freitas recusaram o cumprimento da pena degradante.


A. Tito Filho, 08/05/1988, Jornal O Dia.  

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

CLODOALDO

Chamou-se Clodoaldo Severo Conrado de Freitas, nascido em Oeiras (PI), e falecido em Teresina, 1924. Cursou seminário católico. Formado em direito pela Faculdade do Recife. Advogado. Teve vida assim como de judeu-errante no exercício de cargos e funções, para o sustento das despesas: chefe de policia Mato Grosso, juiz de direito em Campos (Rio de Janeiro) e Bagagem (Minas), inspetor escolar no Amazonas, deputado estadual do Pará, diretor da Imprensa Oficial do Maranhão, desembargador no Piauí. Uma feita se elegeu deputado federal, recebeu o diploma, que a Câmara Baixa do país não reconheceu, numa grave injustiça.

Publicou: "Os fatores do Coelhado" (história), "História do Piauí", "Vultos Piauienses", "Memórias de um velho", "O Piauí" (canto sertanejo), "Em roda dos fatos" (crônicas), "Contos a Teresa", além das traduções de "O inferno de Dante" e "Os últimos dias de Pompéia". Deixou inéditas obras literárias, conferências, estudos filosóficos e trabalhos históricos.

Possuía grande preparo filosófico. Jornalista elegante. Teve, segundo Higino Cunha, imensa atuação na sociedade e na cultura intelectual piauiense. Cultivou a poesia. Padre Joaquim Chaves considera-o lírico e sentimental, cronista brilhante, historiador acatado, conferencista culto. Como primeiro, no Piauí, ensaiou a crítica das religiões e tornou-se precursor da propagação das idéias da famosa Escola do Recife.

Primeiro presidente da Academia Piauiense de Letras. Membro do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e da Academia Maranhense de Letras.

Casou-se com Corina Couto de Freitas. Do casal houve os filhos Lucídio, Alcides e Marcelino, este último coletor federal. Um dos seus grandes infortúnios foi a perda prematura dos dois primeiros, ilustres e talentosos.

Sobre Clodoaldo escreveu Cristino Castelo Branco: "Figura curiosíssima de homem inteligente e lutador, envolvido durante muitos anos em lutas de imprensa contra os governos e contra o clero, brilhou e sofreu como os que mais tenham brilhado e sofrido até hoje no Piauí. Fisionomia simpática e aberta de homem sincero, franco, altruísta, entusiasta,generoso e altivo. Conheci-o de perto. Amei-o e admirei-o nas cintilações do seu talento, na variedade da sua cultura, na energia indômita do seu caráter, nos imprevistos, nos paradoxos fulgurantes de sua mentalidade fecunda, criadora, sempre renovada. Tenho-o comigo, dentro da consciência moral que me alumia. Vejo-o ainda, já velho, alquebrado e glorioso, sentado à banca de trabalho, horas seguidas, a escrever sempre, com uma felicidade admirável, artigos de combate, crônicas deliciosas, romances, novelas, versos, ensaios de criticas, de história, de direito, de filosofia, de religião...".

A. Tito Filho, 14/06/1988, Jornal O Dia.  

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

TAPETY

Nascido na fazenda Canela, do município de Oeiras (PI), em 1890. Pais: Antonio Francisco Nogueira e Antônia Pereira Nogueira. Formou-se pela Faculdade de Direito do Recife. Fez o curso jurídico assinando Benedito Francisco Nogueira. A denominação Tapety, apelido de família, conforme depoimento de Cristino Castelo Branco, ele resolveu incorporar ao próprio nome - Benedito Francisco Nogueira Tapety, literalmente Nogueira Tapety.

Promotor público, em 1912, da antiga capital do Piauí. Ano seguinte, delegado-geral de Teresina, com serventia no gabinete do governador Miguel Rosa. "Foi a oportunidade - conta Celso Pinheiro Filho - de Tapety reencontrar-se com os doutores boêmios, e os poetas simplesmente boêmios de sua geração, que faziam serenatas até o alvorecer".

Jornalista desde o tempo de estudante, colaborou no "Diário de Pernambuco", do Recife. Na capital piauiense tornou-se colaborador freqüente de "O Piauí" e enviava trabalhos para "O Diário", de Belém.

Cristino Castelo Branco lembra os seus colegas piauienses nos estudos jurídicos: "Desses, um dos mais inteligentes era sem dúvida o mulato de Oeiras, que a tuberculose levou em janeiro de 1918, aos vinte e sete anos de idade: Benedito Francisco Nogueira Tapety. Bom estudante, orador fluente, poeta inspirado". E acrescenta que sua maior aspiração estava em casar com uma moça bem alva, para ter filhos cor de café com leite: "Arrebatou-o a morte antes dessa suspirada produção de mestiços".

Em 1914, pronunciou conferencia no Theatro 4 de Setembro, de Teresina, sob o título "A Luz", em que estuda o sol perante a ciência, a religião e a literatura.

Passou à poesia e tornou-se magnífico poeta.

Lecionou filosofia, psicologia e lógica. Ano de 1915, surgiram os primeiros sintomas do mal que o vitimaria, a tuberculose. Buscou cura na Ilha da Madeira, chamada Pérola do Atlântico, pertencente a Portugal. Esperava a cura da natureza, do clima. Iniciou vida nova de muita fé. Fazia versos de entusiasmo e os publicava em jornal ilhéu. Admirável a sua "Ode a Madeira", dedicada a Laura Veras, dona do hotel em que se hospedara e que o tratava como filho querido e doente.

Finalmente a doença venceu todos os recursos. Quis morrer na fazenda Canela, pedaço de terra de seu nascimento. Aí o visitou o poeta boêmio Baurélio Mangabeira, um dos fundadores da Academia Piauiense de Letras.

Ao falecer, em 1918, a casa em que morava foi purificada pelo fogo: a rede, as roupas, os calçados, os papéis, tudo queimado. Alguns acadêmicos, para homenagear-lhe a memória, propuseram que fosse incluído no quadro, da instituição, mesmo sem posse, e o seu nome passou a titular da cadeira 15, como primeiro ocupante.

Escreveu alguns poemas na ilha portuguesa e publicou-os.

Tapety tem lugar de relevo nas letras piauienses. Infelizmente o Piauí pouco ou quase não conhece a história e a grandeza espiritual dos seus grandes filhos, injustamente esquecidos e raramente estudados.


A. Tito Filho, 14/04/1988, Jornal O Dia.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

NOMES

Taumaturgo Sotero Vaz é de Amarante (PI), nascido em 1869. Morreu em 1921, na cidade de Manaus, onde se havia fixado, 1891. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. No Amazonas exerceu cargos diversos, promotor, juiz, professor, procurador da República, diretor da Imprensa Oficial e do Teatro do Amazonas. Membro da Academia Amazonense de Letras. Jornalista de longo tirocínio. Poeta e teatrólogo. Compôs revistas teatrais. Publicou muitas poesias esparsas. Tem versos melodiosos e irônicos em que espelha os conflitos do homem.

José Pires Rebelo nasceu em 1877 (Piripiri-PI), e faleceu no Rio de Janeiro em 1947. Engenheiro civil. Intendente de Teresina (prefeito). Deputado Federal e duas vezes senador pelo Piauí. Aplaudido orador parlamentar. Polemista invulgar. Dominava e convencia os auditórios, empolgado de palavra escorreita e vibrante.

Adelmar Soares da Rocha nasceu em Aparecida, hoje Bertolínia (PI), 1892. Faleceu no Rio de Janeiro, 1973. Médico, trabalhou no Maranhão, Piauí, Mato Grosso e São Paulo. Militar-médico do Exército, atingiu o generalato. Diretor de hospital militar no Rio Grande do Sul e em Mato Grosso. Revolucionário de 1924. Participando do movimento militar de 1930. Deputado federal pelo Piauí três vezes. Conferencista. Possuía várias condecorações. Publicou "Caxias" e "Taunay". Orador parlamentar. Grande tribuno. De atitudes decididas. Foi ainda governador do Território do Rio Branco.

Miguel de Sousa Borges Leal Castelo Branco era de Campo Maior (PI), nascido em 1863. Faleceu em Teresina, 1887. Professor e diretor do colégio por ele fundado. Deputado Provincial. Jornalista. Publicou o notável trabalho "Apontamentos Biográficos de Alguns Piauienses Ilustres". Publicista e poeta. Fez do magistério verdadeiro apostolado. Espírito forte e alma de lutador. Padeceu grandes sofrimentos, inclusive a cegueira.

Gabriel Luís Ferreira nasceu em Valença do Piauí, 1848. Faleceu no Rio, 1905. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. Fundador do Instituto de Karnak, importante estabelecimento de ensino Secundário em Teresina. Magistrado. Jornalista. Poeta. Deputado-geral (federal) pelo Piauí e governador do Estado. Publicou abalizados trabalhos jurídicos.


A. Tito Filho, 13/07/1988, Jornal O Dia.

terça-feira, 12 de outubro de 2010

POETAS

Jonas Fontenele da Silva nasceu em Parnaíba (PI), 1880, e faleceu em Manaus, 1947. Dentista. Publicou "Ânfora", "Ulanos" e "Czardas", todos de poesia. Simbolista, de versos às vezes iconoclastas plásticos. A morte ocupa um lugar primacial na sua obra literária.

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Luís Lopes Sobrinho nasceu em 1905, no lugar Ipiranga do município de Oeiras (PI). Bacharel pela Faculdade de Direito do Piauí. Promotor público. Magistrado no interior do Estado e em Teresina. Jornalista e cronista. Cultivou, sobretudo, a poesia em variado gênero: humorística, épica, lírica e social. Construtor de versos espontâneos. Publicou "Vozes da Terra". Faleceu em Teresina, 1984.

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Luisa Amélia de Queiros Brandão nasceu em Piracuruca (PI), 1838 e faleceu em Parnaíba (PI), 1899. Chamou-se Luísa Amélia de Queirós Nunes, em virtude do primeiro casamento com Pedro José Nunes. Casou-se [uma] segunda vez com Benedito Rodrigues Moreira Brandão. Publicou "Flores Incultas" (poesia), 1875, e "Georgina ou os Efeitos do Amor", poema, 1893. Romântica, de exuberante lirismo. Recebeu influência de Casimiro de Abreu. Poetisa ingênua, delicada e amorosa, no julgamento de Lucídio Freitas.

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Vicente de Paulo Fontenelle Araújo nasceu em Parnaíba (PI). Faleceu muito novo, deixando publicadas, em jornais e revistas, contos, crônicas, sutis e amenas. Linguagem sóbria e elegante. Cultor, sobretudo, da poesia de grande calor humano, sensibilizadora e emotiva, cantando a angústia, o sofrimento e o desespero.

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Mortos e vivos o Piauí, na sua literatura, possui poetas significativos. A primeira fase literária da terra piauiense registra nomes como os de Ovídio Saraiva de Carvalho e Silva, de formação intelectual portuguesa, bocagiano, autor da primeira letra do hino nacional brasileiro. Outro foi Leonardo de Nossa Senhora das Dores Castelo Branco, patriota da independência em 1823 e ilustre poeta cuja inspiração maior se fundamenta no classicismo de Luís de Camões.


A. Tito Filho, 14/07/1988, Jornal O Dia.  

ANÍSIO - II

Anísio de Abreu integrou a comissão Especial (Comissão dos 21), encarregada de, na Câmara, apresentar projeto do Código Civil, organizado por Clóvis Bevilaqua. Coube-lhe a ingente tarefa de relatar a parte do Código referente ao casamento e à constituição da família: "O largo e erudito parecer que apresentou - diz Juvenal Pacheco ("O Código Civil na Câmara dos Deputados"), onde a correção da forma corre parelha com a profundeza com que explanou as múltiplas questões que o assunto abrangia, demonstrou, desde logo, o acerto da sua escolha para tão ingente trabalho, classificado entre os mais complexos dos apresentados a Comissão".

Colocou-se ao lado do divórcio, corajoso e eloqüente - "arrebatado, dinâmico, torrencial, em defesa dos conceitos e das idéias que estão em favor do divórcio. Por essa ocasião assombrou a quantos o ouviram. E arrebatou e eletrizou o auditório, mercê da dialética convincente e graças à eloqüência e ao poder da palavra - palavra que manejava fácil e que lhe saia dos lábios num misto de emoção, comoção, vibração e ardor" (Jemerias Abreu Pereira da Silva - "Anísio de Abreu").

Da oratória de Anísio sustentou Matias Olímpio: "Esta sua inclinação manifestou-se desde a sua juventude e não obstante afirmar sempre que jamais deixou de sofrer forte comoção quando iniciava os seus discursos o que só os pronunciava quando não podia adiar, a verdade é que ouvindo-os se tinha a sensação de assistir ao rompimento de uma represa que continha uma torrente. Nesses momentos, uma aureola parecia envolvê-lo. Dele poderemos afirmar o que Taine dizia de Cousin: que sua fisionomia, seus braços, seu corpo, tudo falava".

A Comissão dos 21 do Código Civil padeceu acerbos críticos de Rui Barbosa, o que levou Anísio de Abreu a ocupar várias vezes a tribuna para defendê-la: “Sua resposta a Rui - diz Jeremias Abreu Pereira da Silva -, como já se demonstrou em parte, foi longa, erudita, destemida e veemente. As criticas incupadas a ele próprio Anísio e a todos os membros da Comissão dos 21 foram todas respondidas com o destemor e a eloqüência com sempre se houve na tribuna".

Anísio de Abreu demonstrou, nas respostas, vastos conhecimentos filológicos.

Em "Frases e Notas" o eminente Cristino Castelo Branco retrata a poderosa inteligência de Anísio: "Homem de talento e de sérios estudos, falecido em fins de 1909 como governador do Piauí, foi Anísio de Abreu um dos maiores parlamentares brasileiros do seu tempo e o maior que já deu a terra piauiense. De 1894 a 1908, alguns anos na Câmara, e por último no Senado, debateu, com proficiência e elevação, os magnos problemas suscitados na época, produzindo a respeito deles verdadeiras monografias. Os seus discursos e seus pareceres magistrais, de quarenta, cinqüenta, sessenta páginas, sobre imigração e colonização, terras devolutas, estado de sítio, instrução superior, imposto de consumo, reforma judiciária, reforma eleitoral, divórcio, codificação civil e vários outros temas sociais e jurídicos, constituem obra considerável, que lhe perpetua o nome e honra o Piauí. Perlustrou, também, a beletrística, escrevendo poesias líricas, outras de fundo patriótico e abolicionista, como a célebre carta ao Conselheiro João Alfredo Correia de Oliveira, em versos alexandrinos.

Feio que era, ficava quase bonito quando falava, disse dele um jornalista carioca".


A. Tito Filho, 14/07/1988, Jornal O Dia. 
  

sábado, 9 de outubro de 2010

FÉLIX - II

Sinceramente admirável a atividade de Félix Pacheco em vários setores da vida pública e impressionante as honrarias que mereceu, como se vê do seguinte:

O diplomata. Jornalista de mérito insofismável, Félix foi também um notável parlamentar e estadista. De 1922 a 1926, exerceu o alto cargo de ministro das Relações Exteriores. Logo no primeiro ano, traçou largo programa de definição da politica exterior nacional. No quadriênio, aumentou o nosso conceito no mundo, liquidou as ultimas questões de limites, regularizou relações mercantis e aduaneiras. O Brasil tornou-se intérprete do Continente. Muito se fez pelo pan-americanismo. Melhoraram-se as relações do Brasil com todos os países. Houve nova política comercial. Participou o país de importantes conferências internacionais. Os quatro anos de Félix foram dos mais fecundos no Itamaraty. Basta relembrar os episódios mais importantes de sua atividade: a Conferencia de Santiago (1923), o protocolo de limites com a Bolívia e a Ata de Washington.

Atividades administrativas. Félix exerceu o cargo de diretor do Gabinete de Identificação e Estatística do Distrito Federal (Rio de Janeiro), que ele remodelou, renovando-o cientificamente. Introduzindo no Brasil o sistema finger prints, com a classificação de Vucetich, fato que lhe valeu excepcionais homenagens. Ligou o nome à obra das pesquisas e ao processo de identificação no país. No Rio, o célebre Instituto Félix Pacheco lhe perpetua o nome.

Honrarias. Doutor de rite pelo College of Journalism, Political, Sciences & Languages de West Virginia; Oficial da Ordem Militar de São Tiago da Espada (Portugal); grande oficial da Ordem de Leopoldo II (Bélgica); Grã Cruz da Ordem de Cristo (Portugal); Grão Cordão da Ordem de Simon Bolívar (Venezuela); Grã Cruz da Real Ordem de Isabel, a Católica (Espanha); grande oficial da Ordem Nacional do Condor dos Andes (Bolívia); Grã Cruz da Ordem de Dannebrog (Dinamarca); Grã Cruz da Ordem da Coroa (Itália); Grã Cruz da Ordem do Sul (Peru); Grã Cruz da Ordem Nacional do Mérito (Equador); Cruz de Benemerência do Vaticano.

Sócio honorário da Associação Comercial (Rio), membro do Conselho da Fundação Osvaldo Cruz, sócio benemérito do Jóquei Clube (Rio), benemérito da Sociedade Amigos do Brasil da Dinamarca, sócio do Instituto Histórico Brasileiro e de várias associações congeneres dos Estados.

Pertenceu a Academia Brasileira de Letras.


A. Tito Filho, 14/10/1988, Jornal O Dia.

sexta-feira, 8 de outubro de 2010

FÉLIX - I

Nasceu em Teresina (PI), 2-8-1879. Faleceu no Rio de Janeiro (RJ), 6-12-1935, aos 56 anos de idade, após rápida e cruel enfermidade, que suportou com resignação cristã. Pais: Gabriel Luís Ferreira (admirável magistrado) e Maria Benedita Cândida da Conceição Pacheco. Para o Rio, em 1890, levou-o o tio, senador Teodoro Alves Pacheco.

Estudou no célebre Instituto de Karnak, de Teresina. Os estudos secundários foram realizados no Colégio Militar (Rio). Muito jovem ainda, na antiga capital da República, ingressou no jornalismo, iniciando-se em "O Debate". Logo passou à redação do "Jornal do Comércio", em que percorreu todos os postos, de repórter a diretor e a proprietário.

O jornalista. Ingressou no "Jornal do Comércio" em 1889. Viveu do jornal e para o jornal. Fez passar pelo grande órgão sopro de notáveis campanhas. Agitava idéias e projetava extraordinárias figuras cívicas. Escreveu ensaios nas colunas do jornal. Panfletário, combatente, corajoso, nada temia. Mas sereno, de períodos rítmicos, curtos, diretos.

O poeta. Começou impregnado de Verlaine, Rimbaud, Baudelaire. Mergulhou na experiência humana para descobrir o inconsciente, o mar, o amor e a morte. Simbolista, aprendeu o segredo das cousas antigas e profundas. Conhecia o mistério das palavras. Poesia de gosto novo, de preocupação com os problemas interiores. Gostava de modificar os seus poemas. Morreu cantando.

Félix foi, no Brasil, o magnífico revelador do gênio de Baudelaire, iniciando ensaios de análise e interpretação de vários aspectos da estética do poeta. A sua bravura intelectual explica o ardor com que estudava a obra do francês. Precedeu até aos críticos de França, no exame das concepções baudelaireanas. Com erudição, mostrou o artificialismo do autor de "Flores do Mal", de quem afirmou ainda o sentido poético religioso. Neste ponto Félix poderia ser chamado de o interprete.

O historiador. Interessantes os seus estudos da história pátria. Estreou com a biografia e a analise de Evaristo da Veiga. Mais tarde viria o estudo sobre o Marques de Paranaguá, perfil político magistral. Pesquisou as origens do "Jornal do Comércio". Escreveu ainda "Duas Charadas Bibliográficas", monumento de erudição.

O político. Um dos políticos que mais se impuseram pelos méritos e nobreza de atitudes. Deputado federal doze anos, sempre convocado e apoiado pelos conterrâneos. Brilhante a sua ação na Câmara: operoso nos pareceres, vigilante na tarefa orçamentária. Líder de sua bancada, legou aos anais idéias e princípios. Eleito (1921) senador por nove anos, ainda pelo Piauí. Antes do término do mandato, o presidente Artur Bernardes nomeou-o para a pasta das Relações Exteriores. Relutou em aceitar o cargo. O próprio Bernardes lhe escreveu, textualmente: "Sua modéstia o faz mau juiz em causas próprias". Aconselhou-se com Rui Barbosa e Epitácio Pessoa. Ambos prometeram ajudá-lo na grande tarefa.

Novamente escolhido senador, em 1927, o seu diploma foi impugnado e contestado por ridícula campanha política. O Senado rasgou-lhe o diploma e ele se afastou, desde então, completamente, de qualquer atividade política.


A. Tito Filho, 13/10/1988, Jornal O Dia.