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terça-feira, 31 de agosto de 2010

JÔNATAS

Um dos dez fundadores da Academia Piauiense de Letras. Nasceu no povoado Natal, no município de Teresina, hoje município de Monsenhor Gil, a 18-4-1885. Faleceu na cidade de São Paulo (15-4-1935). Pais: João José Batista e Rosa de Jericó Caldas Batista (filha de David Caldas). Cargos exercidos: escrivão da Mesa de Rendas de Teresina, promotor público em Altamira (Pará), escriturário da Delegacia Fiscal de Belém (PA) e secretário da Recebedoria Federal de São Paulo.

Jornalista, poeta, conferencista, teatrólogo, escreveu ainda vários trabalhos de critica literária.

Foi intensa a sua atividade jornalística em Teresina. Redigiu: "Tribuna Operária" (1895), "A Palavra" (1902 a 1905), "Arrebol" (1904), "O Mensageiro" (1904), "O Operário" (1906), "Aurora" (1907), "O Nordeste" (1907), "O Escrínio" (1908). Colaborou em vários outros como "Diário do Piauí" (1911) e "Cidade de Teresina" (1912). Foi um dos redatores da revista de arte "Alvorada" (1909 a 1910).

Como poeta, publicou "Sincelos" (1907), "Maio" (novenário do coração - 1908), "Alma sem rumo" (1934). Segundo o acadêmico J. Miguel de Matos, deixou sem publicar "Outono".

Principais conferencias pronunciadas: "Improvisos e Improvisadores", "As Crianças", "Treze de Maio" e "A Luta".

Jônatas Batista teve papel preponderante no desenvolvimento da vida teatral em Teresina. Escreveu as seguintes peças: "Teresina de Improviso", "Cidade Feliz", "O Bicho", "Frutos e Frutas", "O Coronel Pagante" (revista de costumes piauienses), "Alegria de viver" (opereta de gênero alegre), "Astúcia de mulher" (comédia), "Jovita ou a Heroína de 1865" (drama histórico) - quase todas representadas no Teatro 4 de Setembro, de Teresina, com extraordinários aplausos. Em algumas delas o próprio Jônatas Batista teve a participação, como ator.

Foi membro da Sociedade de Autores Teatrais do Rio de Janeiro.

Deixou ainda sem publicar o livro de perfis "Figuras do Meu Tempo", conforme ao depoimento do acadêmico J. Miguel de Matos.

Para Fernando Lopes Sobrinho, Jônatas Batista exerceu "fecunda atividade intelectual, nele se destacando o jornalista, o conferencista, o teatrólogo e o poeta".

No seu discurso de posse na Academia Piauiense de Letras, Fernando Lopes Sobrinho acrescenta: "Como poeta, Jônatas Batista foi, de alguma forma, um simbolista, procurando, na sua poesia, expressar, com espontaneidade, os seus sentimentos em face de si mesmo, ou dos homens ou do mundo, vezes algumas retratando, nos seus versos, revoltas da sua alma altiva".

O acadêmico J. Miguel de Matos escreveu a respeito da sua poesia: "Apesar de seus olhos vagarem, constantemente, pelas coisas que brotam do chão ou que escorrem do céu, Jônatas Batista dosou a sua poética de um profundo sentido introspectivo, como se a Natureza servisse apenas para emoldurar os quadros sensitivos de sua alma".


A. Tito Filho, 04/06/1988, Jornal O Dia.

domingo, 29 de agosto de 2010

JORNALISTAS

Breno Pinheiro nasceu em Barras (PI), 1899, e faleceu no Rio, 1957. Integrou-se de começo na capital paulista, como jornalista. Criou o primeiro sindicato da classe. Trabalhou em "O Estado de São Paulo". Passou ao Rio de Janeiro como redator do "Jornal do Brasil". Tinha a frase leve, elegante e atraente.

Álvaro Alves Ferreira era de Piripiri (PI), onde nasceu em 1893. Morreu em Teresina, 1963. Dentista, profissão que trocou pelo magistério. Viveu muitos anos na capital piauiense. Professor de francês e geografia. Diretor do antigo Liceu Piauiense. Mestre acatado. Destacou-se mais como jornalista combativo. Redator de vários órgãos de imprensa. Linguagem brilhante. Também fez crítica literária e escreveu crônicas de estilo claro. Publicou "Da Terra Simples", de estudos do meio piauiense.

Honório Portela Parentes nasce em Colônia de São Pedro de Alcântara, hoje Floriano (PI), 1882, e faleceu em Caxias (MA), 1909. Formado pela Faculdade de Medicina da Bahia. Trabalhou no antigo Asilo dos Alienados de Teresina. Tinha grande capacidade de defender as próprias idéias. Jornalista de grande cultura, tomou parte da luta politico-religiosa que se travou na capital piauiense. Incorreu no desagrado de muitos. Polemista e critico. Exímio cultor da língua vernácula, tinha estilo elegante. Publicou a tese chamada "Vacina e Vacinação contra a Varíola", em que defende a descoberta de Jenner.

Deolindo Mendes da Silva Moura nasceu em Oeiras (PI), 1855. Faleceu em Teresina, 1872. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. Fixou-se na capital piauiense. Orador eloqüente. Advogado famoso. Foi, sobretudo, jornalista. Redigiu e criou jornais, gastando a fortuna herdada em campanhas eleitorais. Três vezes deputado provincial. Padeceu perseguições que o mataram ainda jovem. Não publicou nenhum livro. Seus artigos notáveis talvez tenham desaparecido nos jornais. Esbanjava talento.

Heitor Castelo Branco nasceu em Teresina, 1875, e faleceu no Rio de Janeiro, 1952. Bacharel pela Faculdade de Direito do Recife. Professor. Procurador da República no Piauí, fundando e dirigindo jornais na capital piauiense. Em 1910, fixou-se no Pará. Chefe da Segurança de Belém. Diretor do Liceu Paraense. Professor da Faculdade de Direito do Pará. Deputado estadual. Fundador de "O Diário". Deputado Federal. Regressando ao Piauí, elegeu-se deputado federal. Procurador geral do Estado. Novamente no Pará, presidente do Departamento Administrativo dessa unidade federativa. Jurista, orador, dominava o vernáculo. Recusou o governo dos dois Estados por motivos de lealdade. Exerceu com nobreza as funções que lhe foram confiadas. Praticou mais do que tudo um jornalismo culto e corajoso.

OBSERVAÇÃO. Último domingo, escrevi aqui neste meu lado de esquerda que mataram Lampião na madrugadinha de 28 de julho. Mas saiu 29. Coleguinhas da revisão, o troço se deu a 28, dezena do carneiro no jogo do bicho.


A. Tito Filho, 02/08/1989, Jornal O Dia.

sábado, 28 de agosto de 2010

A CASA E O FANTASMA

Inteligente, de agradável palestra, educada, mulher de espírito forte, desde garotinha tem merecido palmas e admiração, como naquela noite maravilhosa em que participou de hora de arte no Theatro 4 de Setembro, com Lígia Martins, Maria Alice Rebelo, Ivone Bandeira e outras coleguinhas do mesmo tope. Uma ocasião saiu fantasiada de francesa, num bonito acontecimento artístico de Teresina. As idéias e as atitudes fizeram-na, no percurso da vida, vereadora em São Luís, onde residia. Voltando a Teresina, aqui tem sido uma legítima representante do pai Eurípedes Clementino de Aguiar, o político e jornalista de grande conceito em todo o Piauí, e cuja casa residencial a filha Genuzinha Aguiar Correia transformou numa espécie de arquivo e museu daquele que conquistou mandatos eletivos diversos à custa de prestígio e liderança. Conheci Eurípedes, rico colecionador de apelidos - Urso Branco, Macacão de Matões, Gostosão da Vicença, - em 1947, no dia 19 de janeiro, em que ele fazia aniversário. Tornei-me freqüentador da mansão e lá de vez em quando me encantava para ouvir-lhe a boa prosa, bate-papo jovial, alegre, desopilante. Trabalhamos juntos: eu delegado, Eurípedes chefe de polícia.

O velho e seguro comandante tinha como riqueza importante: a afeição da mulher virtuosa e dos quatro filhos, dois dos quais varões.

Genuzinha guarda, com a vigilância dos dragões da lenda, a casa em que habitou uma das figuras de maior evidência no Piauí, até a década de 50, quando realizou a viagem final. Nas dependências do prédio se encontram cousas pessoais de Eurípedes, bengalas, chapéus, a escrivaninha, a cadeira de trabalho e muitos objetos de uso da família - móveis, louçaria, imagens de santos, vasos e decorações diversas, tudo disposto com engenho e carinho. A laboriosa produção jornalística de Eurípedes está nos arquivos sob o olhar vigilante do amor filial.

Foi aí na casa ilustre que recentemente se deu o lançamento do último livro de Renato Castelo Branco, "O Rio Mágico" - e Renato tem sido fazedor permanente de livros bons, sinceros, que enobrecem a literatura nacional: "A Química das Raças", "A Civilização do Couro", "Teodoro Bianca", "A Janela do Céu", "Candango, Blaiberg, Gagarin", "Pré-História Brasileira", "Tomei um Ita no Norte", "Os castelos Brancos d'Aquem e d'Além Mar", "A Conquista dos Sertões de Dentro", "Rio da Liberdade", "Senhores e Escravos", "O Planalto", "Amor e Angústia", "O Anticristo" - agora "O Rio Mágico", de força lírica e telúrica, reencontro do homem feito e perfeito com as suas origens de menino, adolescente e moço. Fui o apresentador do livro e não pude esquecer o ambiente sagrado em que me achava, com bocado de pessoas amáveis, para aplaudir o escritor - o ambiente de Eurípedes, pouco mais de 40 anos atrás sentado no salão maior, o sofá e as cadeiras dando para a porta da rua. Não consegui deixar de vê-lo dentro da memória, sorrisão constante, tipos adversários desfilando pela galhofeira.

Quando a festa chegou ao fim, e saí para o merecido repouso da choupana distante, depois do Poti, eu ainda via o fantasma de Eurípedes de Aguiar. Por dentro eu me perguntava qual a vitória da morte. Por que morrem os que são úteis a humanidade? Não tive resposta. O jeito estava em deixar com Genuzinha Aguiar Correia o fantasma sagrado do seu pai insubstituível.


A. Tito Filho, 24/12/1987, Jornal O Dia.
             

sexta-feira, 27 de agosto de 2010

O VELHO GUERREIRO

Era comum naquela época que os piauienses andassem por muitos lugares, para estudos ou trabalho. Uma temporada aqui, outra acolá. As esposas davam à luz meninos de origem piauiense noutras localidades. Assim, pessoas nossas nasceram em paisagens brasileiras próximas ou distantes, como Ernesto Batista, no Recife, Robert de Carvalho, em Caxias, e Eurípedes de Aguiar, em Matões, estas duas últimas no Maranhão. Nasceria em Barra do Rio Grande, na Bahia, Salmon Lustosa, uma vez que corrente, onde viviam os pais, não possuía médico.

Dos citados, Eurípedes de Aguiar governou o Piauí, em período de vacas magras, de 1916 a 1920, depois de uma seca danada, que a história registrou, a de 15, de cujas misérias Rachel de Queiroz fez romance famoso e real. O objetivo do governante esteve no saneamento das finanças. E conseguiu. Passou a administração, sem nada dever, inclusive ao funcionalismo.

Foi Eurípedes prefeito e parlamentar federal, como deputado e senador. Médico, obteve prêmio de viagem à Europa. Com a vitoriosa revolução de 1930, que levou Getúlio Vargas ao Palácio do Catete, em que, numa manhã sem graça, se matou de bala no peito, o piauiense do Maranhão deixou o tablado político e recolheu-se ao lar. Farmacêutico e doutor em Medicina, trabalhava nas duas profissões, sem querer paga dos serviços.

Conhecia-o de nome. Quando rebentou a liberdade de imprensa, em 1945, depois de violenta ditadura. Eurípedes assumiu postura de vanguarda na direção do movimento oposicionista ao Governo de Leônidas Melo. Mantinha coluna assinada no Jornal "O Piauí", que circulava nos dias de quinta-feira e domingo. Não aceitou candidatura a nenhum cargo eletivo, porque - explicava - seria eleito. Na verdade, as oposições elegeram os senadores, a maioria dos deputados federais e o brigadeiro Eduardo Gomes venceu para a Presidência da República, embora na soma geral dos votos nacionais a vitória coubesse ao general Dutra.

Eurípedes não esmoreceu. Com os companheiros, sustentou mais forte a luta. Tinha firme trincheira no jornal. Tornaram-se popularíssimos os seus comentários, numa linguagem ao alcance de todas as inteligências. Discípulo dos mestres franceses da ironia e do remoque, o articulista aplaudido conhecia a fraqueza interior dos adversários e os expunha ao riso coletivo, tanto os mitos fabricados pela propaganda estatal, como os nobres de fancaria. Pôs a nu sem injurias ou perversidade políticos fortes, valido das armas do sarcasmo e da galhofa - justamente aquele sal do espírito que eternizou o insuperável Rabelais.

Vindo do Rio de Janeiro, depois de cinco longos anos de saudade do amorável xodó de nome Teresina, conheci pessoalmente Eurípedes de Aguiar no dia de meu regresso, manhãzinha. Cheguei numa gaiola do Parnaíba, depois de longa viagem. Era 19 de janeiro de 1947, dia em que o povo comparecia nas urnas para eleger governador Rocha Furtado, da antiga e extinta UDN, mesmo dia em que o chefão corajoso e comandante da vitória estava de aniversário natalício. Andava ele aí por perto dos setenta janeiros. Da beira do Parnaíba caminhei até a casa da avenida Antonino Freire - e ali abracei o velho guerreiro - herói autentico do seu tempo, sempre de amplo sorriso na fisionomia tranqüila. Pois foi aí nesse prédio que guarda o espírito de um homem digno, sob os cuidados do amor filial de Genuzinha Aguiar Correia, que se deu o lançamento do livro "O Rio Mágico", de Renato Castelo Branco, nos últimos dias do falecido mês de novembro de 1987, Depois eu conto.


A. Tito Filho, 20-21/12/1987, Jornal O Dia.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

FUTEBOL

Em 1960, fui chefão do futebol no Piauí, interventor federal na Federação Piauiense de Futebol, armado de poderes ditatoriais. Havia em Teresina uns dez clubes, fora os do interior, Campo Maior e Floriano, se a memória está lembrada. Jogava-se no estádio Lindolfo Monteiro. Certos jogos não rendiam ao menos para o pagamento dos garotos apanhadores da bola saída de campo, os gandulas. Deliberei reduzir as agremiações teresinenses a seis, escolhendo aquelas da simpatia pública. E assim fiz. Os donos dos grêmios cassados, a bem do esporte, muito me ameaçaram de morte, mas nada me aconteceu. Ainda não chegara o tempo dessas vendetas, tão comuns neste fim de século.

Os clubes de futebol organizados recebiam subvenção mais ou menos gorda, anualmente, do Governo Federal, e nisto residia o motivo de entidades de todos os feitios, até de aleijados. E Teresina tem sido, ao longo do tempo assim: quando se inventa uma modalidade de ganhar dinheiro, dezenas e dezenas de idênticos estabelecimentos povoam a capital. Os proprietários de funerárias disputam de revólver em punho defunto pobre e rico. Há churrascarias por todos os cantos, como santo e negro na Bahia. Uma verdadeira praga de butiques. Motel dá na canela. Em cada esquina uma farmácia. Botecos são centenas.

Em 1918 fundou-se o primeiro clube de futebol na capital do Piauí, com o pomposo nome de TERESINENSE ATLÉTICO CLUBE, justamente o introdutor desse jogo entre nós - e como só existia uma entidade deu-se a disputa do primeiro jogo entre dois times da mesma sociedade esportiva, um chamado CORISCO e o outro PALMEIRAS, aquele constituído dos craques André (goleiro), Bastos e Abreu (beques), Wady, Artur e Curi (médios) e os atacantes Ferro, Mundico, Lourival, Álvaro e Sady. A outra formava-se com os jogadores Gonçalo, Jinvinha e Viana, Paulo, Emílio e Rubim, Medeiros, Pompom, Martins, Henrique e Gerson, - com a mesma distribuição de posições do anterior. Desses 22 heróis não sei dizer se existe algum vivo nem me lembro dos que cheguei a conhecer, salvo um dos beques do CORISCO, José Auto de Abreu, falecido antes dos anos 80, intelectual e político.

Depois da fundação do Teresinense Atlético Clube, surgiram, entre 1918 e 1920, mais as seguintes organizações futebolísticas:

  • Militar Esporte
  • Fundição Esporte Clube
  • Tipográfico Esporte Clube
  • Clube Republicano de Futebol
  • Artífice Esporte Clube
  • América Esporte Clube
  • Piauí Esporte Clube
  • Comércio Esporte Clube
  • Belga Esporte Clube

e outros talvez cujos registros não me foi possível encontrar.

Quanta cousa em Teresina padece a saturação, naturalmente. A cidade torna-se farta, cheia de cousas do mesmo - clubes de alta-roda para exibição de vestidos das madamas, com recepções regadas a uísque, bolinhos para arrotos escondidos e cigarros de matar lentamente; pontos de táxi; jornais e revistas sebosos da Praça Pedro II; teatro de qualquer jeito no velho 4 de Setembro; estupro de garotas já bem sovadas de sexo e mais que se veja e anote para a monotonia da vida sem grandeza.

O futebol, como o carnaval, chegará ao ponto de saturação, como eu escrevi nos idos de 1975.


A. Tito Filho, 23/12/1987, Jornal O Dia. 

quarta-feira, 25 de agosto de 2010

O PIAUÍ E A REPÚBLICA

David Caldas, nascido na terra piauiense de Barras, seria chamado o profeta da República, pois muitos anos antes da proclamação do novo regime brasileiro, esse combativo homem de imprensa, ardoroso antimonarquista, admitiu que o advento republicano se daria justamente no ano em que ocorreu, em 1889. Poucos recordam o bravo jornalista, desassombrado que muito sofreu pela virtude de ter e de defender idéias. Sabe-se que os acontecimentos da história sempre promanam de sérias causas econômicas e dos erros imperdoáveis que os próprios homens cometem. Não houvesse o gesto magnânimo de Isabel e o Trono teria permanecido no Brasil. A máquina aboliu a escravatura e a abolição desta retirou da família imperial brasileira o apoio dos latifundiários e a monarquia ruiu como um castelo de cartas. Mas existem as causas primeiras e as derradeiras e, no meio destas últimas, os acontecimentos de precipitação. Anfrísio Fialho, ferrenho republicano, nascido no Piauí, que o elegeu deputado federal para participar da primeira Constituinte, escreveu "História da Fundação da República no Brasil", em cuja página 29 escreveu: "O coronel Cunha Matos, que havia sido encarregado de inspecionar uma companhia de infantaria estacionada numa das províncias do império, no relatório que apresentou ao ministro da Guerra, fez graves acusações ao comando daquela companhia, o qual era amigo do peito de um deputado". E logo a seguir acrescentou: "Tomando as dores pelo comandante da companhia, o deputado, em vez de limitar-se a defender o seu inimigo, injuria atrozmente, do alto da tribuna parlamentar, ao coronel Cunha Matos, chamando-o de traidor e covarde".

Anfrísio Fialho, republicano, escondeu o nome do Simplício Coelho de Resende, incondicional partidário de Pedro II, e não esclareceu convenientemente os fatos. Simplício nasceu em Piripiri, município piauiense. Jornalista impetuoso e valente. Um dos empolgantes episódios de sua vida pública está no envolvimento da chamada questão militar, formada de circunstâncias diversas relacionadas com a disciplina. Pedro Calmon atribuiu ao parlamentar do Piauí participação direta como fator relevante na fundação da República. Realmente, Simplício rebateu as acusações de Cunha Matos contra o capitão Pedro José de Lima, que teria praticado supostas irregularidades no comando de uma Companhia de Infantaria no Piauí. O parlamentar atacou violentamente o denunciante, transformando-se o assunto em grave caso político. Cunha Matos defendeu-se pela imprensa. Foi preso. Várias ocorrências se verificaram com a participação de civis e militares. Precipitou-se a proclamação da República. Recorde-se que Simplício Coelho de Resende era de caráter forte e extremamente corajoso de atitudes.


A. Tito Filho, 21/11/1987, Jornal O Dia.

URDA E BLUMENAU

Urda Alice Klueger descende de alemães. Inteligência viva, educada, escreve como gente grande, com harmonia, estilo gracioso, linguagem de muita correção. Publicou três livros sobre a sua encantadora Blumenau, a cidade catarinense dos frios intensos e dos calores hospitaleiros. Fundada por alemão, Blumenau tem encantos mil. Perfumam-na flores sem conta, inclusive essa beleza espiritual que se chama Urda, admirável romancista dos tempos colonizadores, - e a ela a gente como gente, tem um bem-querer constante cada vez maior.

Com data de 27 de novembro, Urda me escreve esta carta de sentimento e amizade:

"Comigo, sua carta de 15.11, Notícias Acadêmicas e o Suplemento Cultural Teresina 123 anos. Interessantíssima a matéria sobre Domingos Fonseca! O repente é uma arte praticamente desconhecida por aqui, lembro-me de uma vez, quando criança, ter visto uma dupla repentista que era atração numa das nossas tradicionais festas de Nossa Senhora da Glória. Os artistas em questão tinham vindo de fora, não lembro de onde, eu era muito pequena, devia ter sete ou oito anos, não dá para lembrar tudo. Mas recordo bem como fizeram sucesso, como entraram noite adentro (a dentro?) cantando, como o povo se aglomerou ao redor do palco, como se ria, como havia aplausos, enquanto eu cabeceava de sono no ombro do meu pai. Foi a única vez na vida que vi repentistas. Agora, Domingos Fonseca, magicamente, traz-me de volta aqueles instantes que tinham adormecido na minha lembrança, e me vejo de novo no ombro do meu pai, e sinto uma grande saudade dele.

Independente da minha saudade, que grande artista que foi esse Domingos Fonseca! Quantos, quantos talentos por este Brasil enorme, dos quais sequer temos conhecimento! Que bom que foi um dia ter tido um contacto com o senhor, que nunca deixa de fazer chegar a minha casa tantas novidades culturais que, de outra forma, não chegariam! Muito obrigada, meu amigo.

O calor voltou a Blumenau, e estou queimadíssima de sol, a pele toda doendo, vermelha como um camarão cozido, até com um cadinho de febre, mas altamente satisfeita pela volta do calor. Que terrível inverno tivemos este ano!

Aguardo suas notícias e as desse Estado que é, para mim, quase que uma continuação de Santa Catarina. Muito obrigado por tudo, até mais ver,

Urda".


A. Tito Filho, 08/12/1987, Jornal O Dia.

segunda-feira, 23 de agosto de 2010

AS REFORMAS DO ENSINO

A gente não sabe se existem mais constituições federais ou reformas do ensino. Necessariamente o Brasil tem sido o País das reformas, até nos nomes da moeda nacional: a pataca, o mil-réis, o cruzeiro, o cruzado e quantas outras. Desde quando me entendo, a primeira reforma do ensino pertence a Francisco Campos, ou Chico Ciência, o mesmo que redigiu a Polaca, ou Constituição Vargas. Pois bem. Aos cinco anos de ginásio, o sagaz reformista acresceu dois, o pré, distribuído em três ramos: pré-jurídico, pré-médico e pré-técnico. O jovem escolhia com antecedência a profissão e realizava o curso cujas disciplinas já lhe asseguravam base para a futura faculdade superior. Gustavo Capanema, também como o anterior ministro da ditadura, fez a sua reforma: ginásio de quatro anos, três anos de curso clássico ou científico. Isto se deu por volta da década de 40. Chegaria a vez de nova reforma, nos anos 70, sob o patrocínio de nova ditadura, a inaugurada em 1964: vários anos de 1º grau e mais três anos de 2º grau.

Introduziu-se ainda o ensino profissionalizante. Falta a reforma cívica, a reforma que exonere o inglês e o francês do vestibular. Ainda vive o Brasil subservientemente com a exigência de uma dessas línguas para exame de ingresso nas universidades. Não há necessidade de o futuro doutor saber inglês ou francês. A própria universidade afirma que as duas línguas são desnecessárias, desde o instante em que confere ao candidato a prerrogativa de escolher entre uma e outra. E por que não se exigem o alemão, o italiano, o russo, o chinês? O inglês, ou o francês, podem participar da cultura especializada, de quem quer que seja, nunca de maneira obrigatória nos centros universitários. Argumente-se que as grandes obras para a formação de um doutor sejam em inglês, ou francês, o que não corresponde a verdade. Caso fossem, essas obras poderiam existir em tradução portuguesa, como existem em traduções de livros originalmente escritos noutras línguas. Nem doutor turista necessita de inglês, ou francês. Em toda parte existem guias e interpretes. Será que na Inglaterra, nos Estados Unidos, na França se exige português nas provas de ingresso nas universidades? Há necessidade de mais uma reforma: a abolição da subserviência.


A. Tito Filho, 11/11/1987, Jornal O Dia.

sábado, 21 de agosto de 2010

FREI HELIODORO

Brevemente a Academia Piauiense de Letras estará lançando ao público piauiense a primeira biografia pormenorizada de Frei Heliodoro, o pobrezinho de Cristo, de imensos serviços prestados a Teresina. A história desse frade-santo, nascido em Inzago, na Itália, está bem contada por Frei Memória, tão amigo dos teresinenses.

O frade franciscano Heliodoro Maria de Inzago assumiu a direção da paróquia de São Benedito de Teresina por duas vezes: de 1939 a 1945 e de 1952 a 1956. Tive a satisfação de expressar os sentimentos dos teresinenses quando ele retornaria à sua distante Itália, onde morreu bem idoso e cujos ossos jazem no cemitério de Bérgamo.

Frei Heliodoro, o pobrezinho de Cristo, viveu em doação aos humildes, aos pequenos, aos sofredores. Socorria os miseráveis e confrontava os enfermos. Instituiu a distribuição semanal de comida aos famintos. Sentia as desigualdades nas mesmas criaturas de Deus, enquanto aos poucos praticavam estrionices, no mau uso dos dinheiros mal ganhos, e dissipavam lucros fabulosos indiferentes aos dramas sociais de dores e sofrimentos, milhões padeciam fome, andavam maltrapilhos, moravam em tugúrios desumanos. Ao frade virtuoso cabia o apelo aos ricos para que se lembrassem dos deveres cristãos de querer bem ao próximo, e conseguia, pela graça da fé, minorar as aflições dos deserdados.

Neste livro-ensinamento, outro frade sincero e bom, dedicado e justo, Antônio Kerginaldo Furtado da Costa Memória, o popular e simpático Frei Memória, que conviveu com os teresinenses de 1979 a 1981, num estilo agradável e simples, linguagem asseada e pura, conta a vida, os esforços e relembra os sentimentos magníficos de Frei Heliodoro, que mais do que ninguém ensinou humildade aos homens. No trabalho que ora se lê, existem as lições e os exemplos de fé, como se fossem uma ajuda à educação para a vida.


A. Tito Filho, 12/01/1990, Jornal O Dia.

sexta-feira, 20 de agosto de 2010

O DIA: história e fatos de um tempo

Era o ano de 1951. Dia 31 de janeiro, Pedro Freitas assumiu o cargo de governador do Piauí, eleito pelo antigo Partido Social Democrático (PSD). Na eleição realizada no ano anterior, venceu ele nas urnas, por maiorias de seiscentos e poucos votos, o candidato da União Democrática Nacional (UDN), Eurípedes Clementino de Aguiar, que já havia sido chefe do Poder Executivo no quadriênio 1916-1920.

UDN e PSD valiam ferrenhos e odientos adversários desde o ano em que foram criados no país, 1945. No Piauí, em festa de udenista, pessedista não punha os pés. Viviam os dois partidos em permanente furdunço de descomposturas recíprocas, pelos jornais.

Demais de tudo, Rocha Furtado, eleito pela UDN para governar de 1947 a 1951, muitas perseguições havia feito aos pessedistas, tanto na capital como no mais distante arraial de Pau Fincado ou Pindura Saia.

Também os derrotados por Pedro Freitas alegavam que a maioria de votos sobre Eurípedes teria sido prebenda do Tribunal Regional Eleitoral.

Tais circunstancias mais acirravam as odiosidades comuns. Os udenistas, apeados do poder, preparavam-se para campanha severa e ruidosa contra o novo governante. De sua vez, os pessedistas, quatro anos debaixo de taca e muita taca, lambiam os beiçoes na prelibação da vingança.

Nesse clima, assumiu o governo Pedro Freitas (31-01-1951). E nesse clima surgiu "O DIA" (01-02-1951), fundado por Raimundo Leão Monteiro, mais conhecido como Mundico Santídio, de apelido Mão de Paca. Tipo baixo, gorducho, pança grande, de faces vermelhonas. Defeituoso da mão direita, daí a alcunha que lhe deram, havia anos. Homem de muita inteligência prática. Foi professor do ensino médio. Viajado, conheceu a Alemanha. Não resta dúvida de que era hábil mecânico. Mulherengo. No jornal, fazia tudo, menos escrever. Sabia compor em linotipo, paginar, imprimir, trabalhos que realizava com maestria. Tinha o vicio do palavrão. Dizia-se ateu. Em roda de si, dez, doze colaboradores espontâneos, que dinheiro algum recebiam.

A verdade é que esse homem, temido por muitos, incorporou-se à história do jornalismo piauiense. O seu jornal o "O DIA" era lido e apreciado.

Na primeira fase, a folha do saudoso Mão de Paca teve como redator-chefe o competente Orisvaldo Bugyja Britto, conhecedor, estudioso, de memória invejável, linguagem asseada. Passados 27 anos, Bugyja ainda está, entre nós, lembrando os tempos principiantes do órgão de imprensa que ele ajudou a criar, a engatinhar e a crescer.

No começo, "O DIA" apresentou-se de tamanho pequeno. Quando ingressamos, por volta de 1952, no corpo de colaboradores, havia aumentado de alguns centímetros. Circulava dias de quinta-feira e domingo, manhã cedo. Oficinas no fundo do quintal da casa de residência do diretor e proprietário, num galpão, rua Lisandro Nogueira. Dele participamos na qualidade de colaborador, da mesma forma que Pedro Conde, Valdemar Sandes, Olimpio Costa e outros, cada qual no seu devido tempo. Mundico Santídio publicava os artigos com pseudônimo. A gente Fornecia os comentários sem assinatura, mas circulavam com nomes esquisitos (Desidério Quaresma), alatinados (Petrus Mauricius), à moda russa (Edgaroff) e de maneiras outras da invenção de Mundico. 

Quando assumimos o lugar de diretor do Colégio Estadual do Piauí (hoje Colégio Estadual Zacarias de Góis), em 1954, por falta de tempo nos afastamos da atividade jornalística, a ela volvendo em 1959, no mesmo jornal "O DIA", com artigos de vários assuntos, publicados com a responsabilidade de nossa assinatura. Movemos intensa campanha contra o governo Chagas Rodrigues (UDN-PTB). Jornalismo vibrante, higiênico, estilo elevado, criticas de bom gosto. O jornal teve tiragem dobrada. Edificações esgotavam-se rapidamente. E recordamos o fato como circunstancia de justiça: Mundico Santídio ocasião alguma cortou uma linha de nossos escritos e nunca nos pediu que poupássemos as figuras governamentais, que, inclusive, lhe forneciam publicidade. Costumava dizer: artigo assinado, assinado está, logo...

Pelas colunas do jornal, fizemos campanhas memoráveis, entre as quais destacamos três: a dos professores injustamente exonerados por Chagas Rodrigues, e para eles ganhamos mandado de segurança no Supremo Tribunal Federal; a defesa dos deputados Dirno Pires Ferreira e João Clímaco de Almeida, acusados do roubo de linotipos do IBGE. As máquinas haviam sido apreendidas por ordem de Chagas Rodrigues. Foram devolvidas. Finalmente, aquela em favor das prerrogativas do Tribunal de Justiça, sob a presidência de um homem corajoso, sem medo e sem mácula, Robert Wall de Carvalho, que pediu intervenção federal no Estado, com a finalidade de fazer com que o governo cumprisse mandado de segurança concedido ao advogado Raimundo Richard. Não se verificou a intervenção porque Chagas Rodrigues cumpriu a ordem.

Escrevemos hoje estas linhas sem nenhuma mágoa de Chagas Rodrigues, o jovem governador do Piauí no período 1959-1962, que tanto fez por sua terra e por sua gente, como chefe do Executivo e na qualidade de deputado federal mais de duas vezes. Era homem de visão. Bem intencionado e sincero com o povo.

Mil novecentos e sessenta e dois. Ano de campanha eleitoral. Chagas Rodrigues arrendou "O DIA" confiando a redação a jornalistas de sua escolha. Mais uma vez deixávamos de ser colaborador do órgão criado por Mundico Santídio.

Nosso caminho diário para o Liceu passava pela frente da residência de Raimundo Leão Monteiro, que, a esta altura, 1963, estava novamente dirigindo o jornal, encerrando o contrato com Chagas Rodrigues. Certo dia do mês de abril, pouco depois da morte de meu pai, manhazinha, seguíamos (no) rumo das aulas. Mundico, na calçada de sua residência, chamou-nos. Fez-nos crer que a autoria dos artigos contra nós, publicados noutro jornal da terra, pertenciam a ilustrado médico de Teresina, contra quem nos pediu que escrevêssemos um artigalhão de criticas impiedosas. Encomenda feita, encomenda realizada. O escrito saíu com pseudônimo. Mas o digno médico interpelou Mundico Santídio por intermédio da Justiça e Mundico não quis guardar segredo de redação nem assumir responsabilidade. Resultado: fomos aos bancos dos réus. Praticamos a própria defesa, com critério e ponderação. Expusemos que a responsabilidade de artigos sem assinatura sempre coube a direção do jornal, mas não fugimos ao critério moral de afirmar que éramos o autor material do artigo. Nosso acusador foi o saudoso amigo Celso Pinheiro Filho. Fomos absolvidos pela unanimidade dos jurados. Perdemos a amizade do médico, injustamente ofendido, e ainda hoje a consciência nos diz que obramos mal, escrevendo para satisfação de malquerenças alheias. Não ficamos agastados com Mundico Santídio. Dentro em nós, soubemos desculpá-lo. Ao menos reclamamos contra a sua atitude. Apenas nos afastamos do jornal.

A memória não nos acode agora, para que registremos o ano em que a valente folha passou a pertencer a Octávio Miranda, comprada a Mundico Santídio. Sabemos que o "O DIA" teve redação e oficinas num antigo templo protestante da rua Areolino de Abreu, prédio de esquina, no cruzamento com a rua Sete de Setembro. Orientou-o a cultivada inteligência e grande capacidade de trabalho de José Lopes dos Santos. Em maio ou junho de 1966, porém, comandava-lhe a redação o ilustre e corajoso Deoclécio Dantas, que nos fez convite para a escritura de artigos de fundo, orientadores da opinião pública. Armamos ali tenda noturna de trabalho. E diariamente escrevíamos os chamados editoriais do jornal.

Convivemos com Octávio Miranda dois anos, mais ou menos, em "O DIA". Havia entre nós, de vez em quando divergências. Mais de uma ocasião deixamos a tenda e mais de uma ocasião a ela voltamos. Tínhamos e temos muito amor ao jornal, que circulava diariamente e constituía obrigatória leitura nossa. Diariamente "O DIA" se modificava para melhor. Intimamente, gostávamos de Octávio. Admirávamos a sua persistência em dotar Teresina de um bom jornal. O homem tinha qualidades invejáveis. Uma delas era sentar o rabo na rapadura e da rapadura não erredar pé.

Conhecemos Octávio Miranda como militar, cioso da farda. Depois, como deputado estadual, entre 1947 e 1951.

No jornal, procurávamos examina-lo nas atitudes e nos gestos. Superficialmente, parecia arrogante. Tinha fala forte, autoritária. Gostava de reunir a equipe para combinar orientações, e definir serviços.

Por dentro, entretanto, outra individualidade. Boníssimo sujeito. Caridoso, de caridade cristã. Dava-se ao próximo e ao próximo se dá sem querer recompensa ou agradecimento. Operário doente, jornalista necessitado - lá está ele com a ajuda, com o gesto de conforto. Em 1966, tomamos avião aqui para casamento no Rio. Octavio não nos faltou com a cooperação financeira.

Homem fora-de-série, emprega milhões para dar a Teresina um jornal moderno. A seu lado, a equipe inteligente, trabalhadora, dedicada, que sabe fazer jornal, do operário ao editor.

Tem Octávio Miranda um coração pleno de bondade. Idealista objetivo, sempre imaginou fazer cousas bem feitas. E assim vem realizando com "O DIA", uma obra humana de que ele se orgulha, de que nós todos nos orgulhamos, diariamente, quando o jornal sai com as noticias e o bom bocado dos artigos de interpretação e o excelente repasto das notáveis reportagens. Condimenta-o ainda o saldo de um humorismo fino, elegante, caprichado, nos dias de domingo.

Nele se destaca o sujeito de iniciativa, de visão ampliada, de largos horizontes para conceber e realizar. Quando viu Teresina espremida entre os dois rios, inventou o Jóquei Clube. E do Jóquei nasceu uma cidade, uma boniteza. Se ainda vivo quando Octávio morrer, haveremos de lutar para que o Jóquei Clube passe a chamar-se Octávio Miranda - gesto de justiça muito nobre.

Hoje, 1º de fevereiro, "O DIA" faz 39 anos de serviços a Teresina, que está de festas, aplaudindo o jornal que já se integrou à paisagem espiritual da cidade fundada por Saraiva.

Continua hoje orientado por Octávio, com a ajuda desse dinâmico Valmir Miranda. Editor, José Fortes, jornalista até debaixo d'água, consciencioso, redator de boa linguagem, argumentador sem medo. E muita gente boa, humilde, do meu tope, humilde mas audaciosa.


A. Tito Filho, 01/02/1990, Jornal O Dia.            

quinta-feira, 19 de agosto de 2010

GENTE E HISTÓRIA - I

José Expedito Rêgo é das mais expressivas vozes de nossa poesia. Os seus versos promanam de uma vigilante inteligência, aprimorada para compreender a vida e interpretar sentimentos. Conhece profundamente a arte poética e compõe o poema com rigor clássico, de inconfundível obediência às normas da versificação, como faz estrofes livres, mas subordinadas a bonitos ritmos e sobeja musicalidade. De vez em quando, busca os episódios históricos da sua acolhedora Oeiras, e os analisa na qualidade de mestre, assim da forma que desse vida e alma às cousas, aos entes que se foram. Conhece a língua literária e recolhe também a popular, estudando-as nas suas transformações e corruptelas.

O oeirense de sete costados relembra o passado da amada amante que com certeza bem se orgulha do filho grato e sincero às riquezas espirituais dos sítios em que nasceu o Piauí administrativo e cristão.

Esse especial sentimento amoroso faria de Expedito consagrado romancista de conteúdo nitidamente nordestino - e de modo particular piauiense, fixando-se nos homens que fizeram as páginas históricas de mais grandeza cívica do Piauí, e também revelando a paisagem social da antiga Oeiras, em largo período - o que vai do nascimento de Manuel de Sousa Martins até o declínio político daquele que governaria a província piauiense por quase vinte anos, com pulso seguro e firme, fiel aos princípios e ditames da sua fé: a ordem e a disciplina.

O Visconde da Parnaíba provocou um romance histórico admirável, sério, verdadeiro. Apresenta a mesma fabulação inesquecível de "... E o vento levou", mutatis mutandis. Misturam-se por vezes criaturas reais e irreais, mais aquelas do que estas. Quem conhece os fatos da vida de Né de Sousa, os antecedentes da independência do Piauí, o caráter de Manoel de Sousa Martins e a sociedade patriarcal da sua época, retira do livro a impressão correta de que José Expedito Rêgo representa um dos mais profundos doutores na história humana e social de Oeiras. E desfilaram neste romance o nascimento do futuro Visconde da Parnaíba, na Serra Vermelha, fazenda de gado de Né Martins, pai de Manoel de Sousa, e no principio são os hábitos e costumes: as parteiras e o uso da manteiga caseira para facilitar a saída do menino pelo caminho natural da mãe. O transporte de cadeirinha. As brincadeiras de fazer curral.


A. Tito Filho, 02/07/1988, Jornal O Dia.

terça-feira, 17 de agosto de 2010

MESTRE ODILON NUNES III

Lembre-se que no começo do século XIX o ouro, o diamante e o açúcar estavam em decadência. O Norte representava dois terços da atividade útil do Brasil. Se Fidié se mantivesse no Piauí, como queria D. João VI, Portugal dominaria o Norte e evitaria a vitória dos baianos, cortando-lhes o fornecimento de carne. Maranhão, Piauí e Pará formariam o Brasil Português, subordinado a Lisboa.

No 3º volume, Odilon estuda de modo profundo as causas da Balaiada e sobre o assunto apresenta impressionante documentação. Para ele, essa guerra violenta no Maranhão e Piauí resultou de um choque de culturas. As origens próximas da luta estavam na pratica perniciosa do recrutamento promovido pelo Exército, fazendo que pobres caboclos entrassem para o serviço das armas, longe da terra e da família. As causas sérias eram outras: as condições de ordem econômica geradoras de permanente miséria coletiva; a terra confiada a poucos; àqueles que representavam o regime político e que viviam de explorar o homem do interior; a fome e a estrutura social, o brasileiro esquecido e abandonado.

Finalmente, no 4º volume, Odilon Nunes realiza estudos sociais e políticos da maior relevância: as lutas partidárias, o processo educacional, o regime de trabalho, o crime e suas causas, a mudança da capital de Oeiras para Teresina, a guerra do Paraguai, a liberdade dos escravos, a colonização e aspectos culturais do Piauí. Pena que o ilustrado e honesto historiador esbarre na República.

Deduz-se que, no fim do século XIX, o Piauí parecia esmorecer: economia de subsistência, fontes de riquezas estagnadas, comércio e lavoura em grandes dificuldades, decadência da pecuária, tristes condições educacionais e culturais.

Pesquisa de probidade inatacável, são seguras as observações que Odilon Nunes reuniu nos 4 volumes sobre homens e episódios da história piauiense, com a ingente preocupação de elucidá-la e interpretá-la. Tem sido mestre incansável na busca de documentos de rara importância para a feitura da tarefa que se impôs. Bem disse dele José Honório Rodrigues: "Odilon Nunes é um pesquisador notável, fiel à verdade histórica, buscada nas fontes primárias, e um historiador que, pela obra paciente de relembrar o passado de um povo tão agravado, tão empobrecido, mas tão leal ao Brasil, em tantas conjunturas extremas, se coloca na vanguarda da historiografia estadual".

Faleceu Odilon Nunes, depois de legar ao Piauí uma obra brilhante e necessária. Pertencia a Academia Piauiense de Letras.


A. Tito Filho, 26/08/1989, Jornal O Dia. 

MESTRE ODILON NUNES II

Sertão desconhecido, ignoto, temeroso. Dizem até que a famosa Casa da Torre, no litoral da Bahia, tinha duas faces, uma para o mar, vigiando piratas e inimigos, outra para as terras de perigos sempre fartas.

Até a Independência, a história do Piauí se resume quase na história da pecuária. Bois, vacas, garrotes e bezerros apinhavam os lugares. Cada vez mais cresciam os rebanhos sem mercados. O vacum representava a moeda, o dinheiro. Inexistia patrão. O vaqueiro não era empregado, mas sócio nas reses, e escreveu páginas inesquecíveis na vida piauiense.

Nesses longínquos fins dos anos setecentos, o Piauí enfrentava problemas angustiantes de tardio povoamento, dificuldades de transportes, sem agricultura e sem escolas.

Não se esqueça a perversa matança da indiada aos magotes. João do Rego Castelo Branco liquidava todo tipo de índio: feto, recém-nascido, crianças, adolescentes, moço, maduro e velho. As estrepolias sangrentas desse exímio degolador ingressaram na história. Cumpria ordens dos conquistadores da terra e dos governantes. E cumpria-as sem um pitoco de remorso, alegre sempre.

Em Odilon admira a paciência na busca do documento, o documento que ele confere, examina, estuda e dele retira a verdade, para a narrativa segura e a análise esclarecedora.

O mestre dedica o 2º volume das suas investigações à independência.

A vila de Parnaíba deu o grito primeiro no Piauí, a 19/10/1822. A noticia chegou a Oeiras, sede do governo português na capitania, e logo o comandante das armas de Portugal, Fidié, seguiu com infantaria e artilharia do cabo-de-guerra luso, Manuel de Sousa Martins, dia 24 de janeiro de 1823, manhãzinha, proclamou a independência na capital e estabeleceu governo com a distinção das autoridades portuguesas.

Em Parnaíba, onde se aquartelou, Fidié teve tempo para disciplinar as tropas e receber material bélico do Maranhão. Fazia-se necessário retornar a Oeiras e retomar o governo. O comandante português marchou para alcançar Campo Maior - e aí, às margens do Jenipapo, vaqueiros e roceiros o aguardavam. Houve os primeiros choques. Ceifadas muitas vidas. Os nossos homens buscavam a morte. Portugal sofreu pesadas perdas. Retirou-se, em rumo do Maranhão. A luta no Piauí decidiria a unidade brasileira, pois Portugal queria dois Brasis: o do Norte, rico em gado, para ele; e o do Sul, pobre, de que os portugueses não faziam conta.


A. Tito Filho, 25/08/1989, Jornal O Dia. 

segunda-feira, 16 de agosto de 2010

TEMPOS DE MEMÓRIA

Quando eu, menino, cheguei a Teresina, em 1932, ainda de calças curtas, a cidadezinha gozava de tranqüilidade nunca esquecida. Nada a perturbava. Tinha ruas calçadas, algumas, ou empedradas, e trilho para bonde, mas sem bonde.

Dois cinemas - um tipo poeira, o Royal, de bancos compridos, sem encosto - especialista em bangue-bangue, mas naquele tempo a gente não dizia bangue-bangue - era cinema de artista e bandido - cinema da molecada do meu tope; o outro, o Olímpia, estava destinado à alta-roda, ao soçaite de hoje. Ambos de filmes mudos - e lá me ia esquecendo - mudos, mas gesticulados, como se os gestos fossem a linguagem sonora - e às vezes é, ou pelo menos a transmite, até mais expressivamente. Cinema falado, musicado e sincronizado só em 1933.

E dois cabarés famosos no campo da vida airada: o "Cai Nágua", de madeira, perto do rio, mulherio de segunda categoria quase bofe, o da Rosa do Branco, de pegas vistosas freqüentado por gente alta, magistrados, comerciantes, abastados, filhinhos-de-papai.

Ainda em 1937, de longe eu olhava o "Cai Nágua", de madeira, que já não era um mistério para a minha buliçosa pouca idade, mas era permanente convocação.

A elegância da cidade, de noite, estava na praça Rio Branco - andança na praça, rapazes num sentido, moças noutro sentido. Namoro de olhos, olhares que falavam e diziam tudo.

Tomava-se, e muito, refresco de pega-pinto, diziam que (era) bom para os rins. Muita garapa de cana também.


A. Tito Filho, 24/01/1989, Jornal O Dia. 

domingo, 15 de agosto de 2010

MESTRE ODILON NUNES I

As Pesquisas para a História do Piauí, de Odilon Nunes, em 4 volumes, revelam a saga piauiense, dos primeiros tempos até o fim do período provincial, uma saga com gosto e sabor de tragédia.

Do volume inicial constam a pré-história, os primeiros contatos com a terra, os primórdios da colonização e dos currais, a ausência de disciplina legitima e os governos que deram começo à vida politica.

A narrativa abrange os índios, a matança destes, a sangueira, o genocídio, as lutas sem fim, as sesmarias, o Parnaíba, riozão famoso, o território imenso de população e população escassa. Uma vez escrevi que a história do Piauí, no principio, está no pânico e no vácuo. Dias perigosos: o pânico. A volúpia mortífera das desgraças do meio: o vácuo. Odilon mostra e interpreta isso tudo. Neste ponto o seu extraordinário valor: a análise dos episódios, causas e consequências.

Domingos Afonso Mafrense e o xará Domingos Jorge Velho - sertanista e bandeirante - penetraram o Piauí com os seus troços de gente, e colonizaram terras, senhores de sesmas e de latifúndios, do gado bovino trazido e outras paragens. Sobre o primeiro não há duvida. Com o outro, o paulista, baita de homem severo e truculento, indicam alguns historiadores e dizem que não passa de lorota a sua vinda ao Piauí, donde teria saído para a matança dos Palmares, nas Alagoas. Odilon estudou detidamente o fato em mais de um trabalho, anotando referencias a bandeiras paulistas que agiam nos sertões do São Francisco, de 1671 a 1674: "Podemos assim presumir que Domingos Jorge Velho pertenceu a algumas dessas bandeiras a que nos referimos, se não fora mesmo o chefe de uma das partidas de paulistas que vinham operando nos sertões do São Francisco". Num livrinho rico de observações, o mestre sustenta, categórico, a respeito do paulista espadaúdo: "São múltiplas as provas da sua atividade no vale do Parnaíba".

Fim do século XVII. Admirável a ação dos catequistas. O Piauí torna-se cenário histórico empolgante. Já o bandeirante transmuda-se em curraleiro, encourado, nômade, solitário, individualista - são ensinamentos de Odilon. A riqueza era o gado e da rês se aproveitava tudo, a carne, os ossos, o tutano, bofes, cacos, couros, chifres, fezes, até o membro genital enorme. Em tudo o bovino: na panela, no cornimboque, nas liteiras, no gibão, nos arreios, em certos vasilhames de viagem, nas portas, nos calçados. Muitos falaram dessa civilização do couro.


A. Tito Filho, 24/08/1989, Jornal O Dia.

sábado, 14 de agosto de 2010

ROMANCE TERESINENSE

Artur Passos acentuou que Abdias Neves foi um escritor do seu meio, sensível, perceptivo e capaz de registrar, com acuidade, os eventos maiores e melhores da sociedade que o cercava. UM MANICACA fixa, portanto, numa análise inicial, fisionomia do teresinense dos últimos tempos do século XIX - uma sociedade de pequena classe média, quase proletarizada, vivendo num meio desconfortável, com luz de candeeiro, água conduzida sobre lombo de jumentos, cidade suja, sem trabalho, em que se salientavam inúmeros preconceitos. O livro é, assim, um documento da época, com as respectivas mentalidades, da forma que se pode resumir:

1) religiosidade excessiva do povo.

2) a intriga como meio de destruir caracteres e de sobrevivência própria.

3) o sexo como tabu.

4) a vitória politica pela importância familiar.

5) jornalismo de descomposturas.

6) pavor ao contágio da tuberculose.

7) ausência de atividades agrícolas.

8) população masculina dedicada ao comércio e as letras.

9) emigração para o Amazonas, atraídos os homens pela riqueza dos seringais.

10) bacharelismo como posição.

11) culto das festas populares.

12) diversões contínuas das serenatas e dos bailes comemorativos de aniversários.

13) cartas anônimas como meio de denunciar más ações alheias.

14) maledicência generalizada.

15) repúdio ao meretrício, ao adultério, ao amancebamento.

Miloca, frustrada, Júlia, esfomeada de sexo, o hipócrita João Sousa, a beata Eufrasiana, o preconceitual Antônio Machado, o manicaca tísico Antônio de Araújo, a mística Candoca, o cínico Luís Borges, o bem falante namorador Ernesto, a feia e introspectiva Mundoca e o irreverente Dr. Praxedes - eis o mundo das personagens de Abdias Neves em UM MANICACA, gente que representava o próprio meio acanhado em que vivia. Diz-se em literatura que quem nasceu personagem sobreviverá. Morrerão os escritores. Sobreviverá o tipo que tenha carne e alma, como dizia Eça de Queirós. Das personagens de Abdias só ele mesmo - o Dr. Praxedes - sobreviverá porque tem autenticidade. Viu-se a si mesmo através dos homens e das mulheres que quis criar. Em Machado de Assis, as personagens mais notáveis são os olhos de Capitu, os braços de Severina, o constrangimento de muitos, as anotações psicológicas. A maior personagem de Machado de Assis é ele mesmo, como disse um critico paulista. Assim, em UM MANICACA, a maior personagem é Abdias Neves, que não criou propriamente personagens em profundidade, registrou defeitos de gente defeituosa. Abdias Neves foi apenas figurista para que pudesse fazer ironia a custa dos homens. Não criou personagens. Retratou-se no livro.


A. Tito Filho, 21/10/1989, Jornal O Dia. 

quinta-feira, 12 de agosto de 2010

OS DOCUMENTOS

- Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, para citar dois mortos de autoridade, consideravam o dia 21 de julho como data legítima da fundação de Teresina.

Vejamos a verdade histórica:

- Em 1827 criou-se a Paróquia de Nossa Senhora do Amparo do Poti.

- O município do Poti nascia em 1832, com a Vila respectiva, a Vila do Poti.

- José Antônio Saraiva visitou a Vila a 18 de novembro de 1850. Não gostou da comunidadezinha sujeita a inundações e febres terçãs.

- A 25 de dezembro de 1850 lança-se a pedra fundamental da igreja do Amparo. Construtor, o português João Isidoro da Silva França, que construiu também a sua residência na esquina do grande largo, local hoje do Banco do Nordeste.

- Na Vila do Poti, por ocasião da visita, Saraiva convidou os potienses a que se mudassem para a nova vila que ele pretendia construir. Os potienses aceitaram o convite e surgiriam com brevidade os primeiros habitantes.

- A 20 de outubro de 1851, a Câmara da Vila do Poti aprova a mudança da sede para a Chapada do Corisco. Surgia uma nova comunidade, com o nome de Vila Nova do Poti, data verdadeira da fundação da futura Teresina.

- A 20 de julho de 1852, a Assembléia Provincial aprovou a Resolução 315, publicada a 21 do mesmo mês e ano. Que dizia essa lei sancionada por Saraiva? Eis a emenda respectiva: "Eleva, desde já, a Vila Nova do Poti à categoria de cidade com a denominação de Teresina, e transfere para ela a sede do governo da Província, com todos os estabelecimentos e repartições públicas".

- Assim, como se vê, a 21 de julho de 1852 já existia Teresina, com a denominação de Vila Nova do Poti.

- Saraiva chegou a Teresina a 13-8-1852 e no dia 16 assinou o seguinte ofício dirigido aos demais presidentes das Províncias brasileiras: "Tenho a honra de comunicar a V. Exa. que o corpo legislativo provincial autorizou pela lei nº 315 de 20 de julho do corrente ano a transferir a capital desta Província para a nova cidade Teresina, e que dei já executação a essa lei, pelo que me acho residindo nesta cidade à disposição de V. Exa.".

Pelo exposto, Teresina não foi fundada a 16 de agosto, data inexpressiva, data tão somente de seu ofício de cortesia. Teresina verdadeiramente nasceu a 20 de outubro de 1851 e agora em outubro completará 138 anos.


A. Tito Filho, 23/08/1989, Jornal O Dia.  

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

A BOA TERESINA

Diga-se que UM MANICACA é romance da era pós-patriarcal. Já se vai enfraquecendo a autoridade do pai na família e no meio social.

Começa a ascensão da mulher como pessoa menos dependente do homem. Também se inicia a ascensão dos mais jovens como menos dependentes dos mais velhos. Verifica-se a crescente liberdade dos jovens. Acentua-se maior liberdade nas relações de amizade entre os sexos. Maior idealização de costumes urbanos. Linguagem mais solta na narrativa. Abrasileiramento das expressões, porque o romance se idealiza por intermédio de maior dialogação. Os temas de UM MANICACA tornaram-se mais livres de convenções.

Por que Abdias Neves escreveu com tanta virulência crítica contra a Igreja e contra o clero? Por que negou qualquer virtude e bem aos ensinamentos do Catolicismo, nesse romance em que, através do Dr. Praxedes, revelou suas idéias?

Em parte a responsabilidade coube a Escola do Recife: "Esta acentuada influencia, toda gente o sabe, predominou mais no Norte que no Sul do país, cuja mocidade saía da Escola de Direito de São Paulo, ao passo que a do Norte cursava a do Recife, campo aberto às idéias largamente movimentadas por Tobias Barreto e seus numerosos discípulos. Mas o positivismo de Augusto Comte e o evolucionismo de Herbert Spencer por toda parte impressionavam o pensamento especulativo, ou meramente teórico, o primeiro mais vivo e atuante entre a juventude das academias militares e o segundo nos moços saídos das escolas jurídicas".

Era uso então renegar a Cristo, negar a vida eterna, repudiar a fé em Deus. A reação religiosa expandiu-se por todo o país contra a excessiva paganização materialista.

Cremos que a violência de Abdias Neves contra a Igreja tenha nascido, em parte, do desespero, numa época da desilusão. Bacharel brilhante, culto, vivia numa cidade sem horizontes, obrigado inclusive a ganhar a vida no interior do Piauí. Só tempos depois, chegaria a fase fulgurante da existência: o Senado da República.

Abdias foi como todos os naturalistas. Escreveu o que ele pensou fosse a verdade, tomando emprestado à ciência não apenas o seu materialismo e determinismo, mas, também, a sua independência de julgamento. Assim: a) interessou-se pelo bruto que há no homem. b) seus tipos são de pouco intelecto. c) as suas criaturas geralmente são vazias. d) escreveu com pessimismo. e) remexeu cousas e lugares desagradáveis. f) revelou-se moralista ferido. g) concentrou-se no mundo exterior do homem. h) demonstrou aparente isenção de animo.

Enfim, fez o que Zola queria que o naturalista fizesse: agiu sobre os tipos, as paixões e os dados humanos e sociais do seu romance.


A. Tito Filho, 22/10/1989, Jornal O Dia.