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quarta-feira, 30 de junho de 2010

BIACADÊMICO

Carlos Castelo Branco contou, neste falecido mês de junho, como faziam os índios, setenta castanhas na sua vida vitoriosa. Publicou, além de um livro de interpretação politica, "Continhos Brasileiros" e o romance "Arco do Triunfo". A persistente atividade jornalística, de invulgar brilhantismo na análise de homens e episódios, abriu-lhes as portas da Academia Brasileira de Letras: "Chego à Academia como jornalista", disse ele ao tomar posse no mais cobiçado sodalício do país.

Observador penetrante, ora tímido, ora revoltado, misterioso ou controlado, sempre põe a nu a imagem dos instantes precários e dos ricos em respeito ao homem. Sabe clarear caminhos, denunciar mistificações e advertir os incautos e desinsteligentes. Não usa enfeitações. Ensina nas entrelinhas aos bons de entendimento. Muita claridade no estilo. Odylo Costa, filho, considerou-o a primeira voz do jornalismo político brasileiro. Efetua o jornalismo-história, o que exige isenção e abole atitudes passionais. Honesto e corajoso. Não azinhava a consciência na bajulação.

Quando foi eleito para a Academia Brasileira de Letras, telefonou ao pai, o magnífico Cristino Castelo Branco, caráter sem nódoa, e disse, revivendo a criança que está na gente o tempo todo:

- Papai, eu fui eleito.

Cristino orgulhou-se do triunfo do filho, que era também o triunfo do pai, cuja presença de Deus se avizinhava, não era permitido que ele, carregado de mais de noventa anos, assistisse à posse do novo acadêmico.

Dois piauienses e um quase-piauiense haviam atingido a Academia Brasileira de Letras: José Félix Alves Pacheco, Deolindo Augusto de Nunes Couto e Odylo Costa, filho, os dois primeiros nascidos em Teresina. Antes do vôo mais alto, porém, ingressaram na Academia Piauiense de Letras. Partiram da Casa de Lucídio Freitas para a casa de Machado de Assis. Mestre Carlos praticou o contrário: ingressou na modesta e humilde Academia Piauiense de Letras depois da conquista da outra, a Brasileira. Quis ser fiel à lição de Cristino Castelo Branco: "A Academia da terra natal é sempre a melhor das Academias".

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Na Academia Piauiense de Letras outros pertenceram a duas Academias: Clodoaldo Freitas (Maranhense), Alarico da Cunha (Maranhense), Jonas Fontele da Silva (Amazonense), Taumaturgo Sotero Vaz (Amazonense), salvo falha memória.

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Em Carlos setentão existe outra imensa virtude: o amor a Teresina. Numa de suas visitas recentes À cidade natal escreveu: "Hoje é quase estranha para mim. Na parte antiga movimento os meus fantasmas e onde me sinto a vontade, quando passo por lá, para dialogar com elas".

Sim, já não existem os bairros de forrós, cheirantes ao suor da mulatiçe gostosa das mulheres teresinenses. Do buraco da Velha, dos Cajueiros, da Catarina resta a visão doce e evocativa como se fora poesia do coração chorando.


A. Tito Filho, 21/07/1990, Jornal O Dia.
 

terça-feira, 29 de junho de 2010

TERESINA ANTIGA

- O primeiro restaurante surgiu em 1876. Vários tipos de suculenta comida. Fornecia bóia para festas familiares.

- Ano seguinte, a grande seca de 77 povoou a cidade de cearenses sofredores. Assistência permanente.

- A primeira escola noturna se criou em 1880, ano em que se introduziu a loteria federal.

- Estendeu-se a iluminação pública  toda a cidade em 1822. Oitenta lampiões de querosene, em postes de madeira. Registraram-se ainda as primeiras observações meteorológicas, com estes resultados: temperatura máxima, 30; mínima, 25,80; média 28,50.

- Grandes festas cívicas com a chegada do telégrafo. Era o ano de 1884.

- Dois acontecimentos de 1886. Sagração da igreja de São Benedito, no Alto da Jurubeba, construída por Frei Serafim. E fundação da Botica do Povo, popular estabelecimento do farmacêutico José Pereira Lopes.

- Grandes festas populares comemorativas da libertação dos escravos em 1888.

- Chegou ao conhecimento do povo a notícia da proclamação da República, 1889. Houve delirantes manifestações populares pelas ruas, no dia seguinte, 16 de novembro. Neste mesmo ano instalou-se o serviço de recolhimento do lixo, em carroças puxadas por bovinos.

- A fábrica de Fiação e Tecidos Piauiense foi inaugurada em solenidade do ano de 1890.

- Em 1891 instalou-se o Tribunal de Justiça do Piauí, composto de cinco desembargadores.

- A Junta Comercial do Piauí teve criação em 1892.

- Em 1894, inaugurou-se o Teatro de 4 de Setembro, cujas obras se iniciaram em 1889.

- Instituído o registro de nascimento e óbito em 1897.

- Coelho Neto, em 1899, dá a Teresina a denominação de Cidade Verde.

- Registrem-se ainda os seguintes acontecimentos interessantes: o primeiro clube teatral (Clube Gramático, 1893). Fundado o primeiro clube social (Clube Dançante Piauiense, 1897). A primeira entidade esportiva, o Esporte Clube, surgiu em 1899.


A. Tito Filho, 25/01/1990, Jornal O Dia.


segunda-feira, 28 de junho de 2010

OS LIVROS DE MATIAS (OLÍMPIO)

Teresina inaugurou biblioteca pública ainda no tempo do regime imperial. Como tudo que presta, nesta terra, esse beneficio coletivo logo se sumia talvez por falta de leitores, numa época em que era pouco o interesse por cousas de literatura. No tempo da sua melhor atividade, Anísio Brito organizou a biblioteca estadual, instalada justamente com o arquivo e o museu no prédio cujo nome homenageia esse admirável historiador e homem público. Dava gosto que a gente estudasse nas salas das estantes cheias de livros bem catalogados. Muito li nesse ambiente convidativo. Com o correr dos anos, os livros se transportaram para outro local, o antigo Grupo Abdias Neves, onde funcionaram o Liceu Piauiense e a extinta Faculdade de Direito do Piauí, e nele se instalou a Biblioteca Cronwell de Carvalho, mantida pelo governo estadual.

Desconheço os rumos que tomaram as obras pertencentes a Simplício Mendes, a Esmaragdo de Freitas, a Higino Cunha, a Martins Napoleão e muitas outras nobres figuras da vida cultural desta terra. Salvei as obras jurídicas e literárias de meu pai. Parece-me que me evaporou a rica biblioteca da antiga Escola Normal, especializada em assuntos educacionais.

Luiz Mendes Ribeiro Gonçalves manteve comigo, desde os idos de 1974 até perto de morrer, correspondência de grande mérito. Em 1983, manifestou-me a vontade de doar os seus livros técnicos à Universidade Federal do Piauí e os livros de ciências sociais e literatura a Academia Piauiense de Letras. Fiquei satisfeito com a atitude do grande confrade. Faleceu em 1984. Só uns dois anos depois os livros chegaram. Estragados pela umidade. Sujos. Encontravam-se sob cruel desprezo em dependência de apartamento no Rio. Uma tristeza. Ainda assim aproveitei pelo menos um terço dos exemplares.

Os livros de Odilon Nunes, preciosos, doados à casa de Odilon Nunes de Amarante causam dó, segundo me contou o insigne mestre.

Recentemente distinta jornalista me deu a notícia desoladora: os livros de Matias Olímpio, ex-governador, ex-senador do Piauí, jazem num recanto da Biblioteca Cronwell Carvalho, sem cuidado, sob caloroso desprezo.

Assim, não. A Academia os recebe, encaderna-os e lhe dá agasalho condigno. Caso queiram.


A. Tito Filho, 18/03/1989, Jornal O Dia.


sexta-feira, 25 de junho de 2010

CUNHA E SILVA

Francisco da Cunha e Silva nasce na terra piauiense de Amarante. Era 3-8-1904. Cursou o Colégio Bento XV de Teresina. Fez humanidades no Colégio Salesiano Santa Rosa, de Niterói, no Estado do Rio. Escolheu a carreira eclesiástica, matriculou-se no Colégio Salesiano São Manuel de Lavrinhas, São Paulo, também seminário, em que fez estudos superiores de filosofia e latim. Sem vocação para o sacerdócio, seguiu outra destinação. Casou-se na antiga capital da República. Em 1927, fixava-se em sua cidade natal. Iniciou-se no magistério de português, história e geografia. Em Amarante, fundou o educandário Ateneu Rui Barbosa. A partir de 1947, estabeleceu-se em Teresina, quando subiu ao Governo do Piauí o médico José da Rocha Furtado, eleito pela antiga União Democrática Nacional. Antes, em 1935, acusado, processado, teve condenação como comunista pelo extinto Tribunal de Segurança Nacional. Cumpriu mais de um ano de prisão na antiga e demolida penitenciaria da capital piauiense.

O novo governo lhe confiou uma cadeira de geografia no Colégio Estadual, antigo Liceu. Passou também a colaborar na Imprensa, sem remuneração de qualquer natureza. Militou em quase todos os jornais: "O Piauí", "Resistência", "A Gazeta", "O Tempo", "O DIA", "Jornal do Piauí", "A Luta", "O Pirralho", além de revistas noticiosas e literárias.

Não permaneceu muito tempo nas hortes da UDN. Era jornalista de linguagem forte, por vezes agressiva. Rompeu com o governador Rocha Furtado. A politica da época não aceitava rebeldias. A punição se fazia necessária e rigorosa. Os que se rebelavam perdiam o emprego público, tivessem ou não responsabilidade de família. Perdeu a cadeira de que tirava o pão de cada dia.

Pobre e carregado de filhos pequenos, sem casa própria, Cunha e Silva padeceu severa adversidade. Ajudavam-no alguns amigos e colegas. Conheceu de perto duras e pesadas aflições. Mas não dava tréguas ao governo. Escrevia artigos contundentes e violentos contra o governante e seus auxiliares.

O Partido Social Democrático, de oposição, deu-lhe modestíssimo lugar no antigo Fomento Agrícola. Trabalhava na Granja Pirajá, bem distante de sua residência, percurso que ele fazia a pé. Brevemente se aborreceu do emprego e largou-o para suportar novas e pesadas vicissitudes. Ganhava pouquíssimo em estabelecimentos particulares de ensino, dando aulas desde que o dia principiava até de noite.

Tinha animo forte. Nunca abaixava o topete. Com a subida de Pedro Freitas ao governo, candidato de oposição a Rocha Furtado, mereceu duas cadeiras no magistério do Colégio Estadual e da Escola Normal. Passou a ganhar sofrivelmente. No governo Petrônio Portella, foi escolhido para cargo em comissão, de diretor da Casa Anísio Brito, que reunia o Arquivo, a Biblioteca e o Museu do Estado. Exonerou-se, dentro de pouco tempo, das funções, para prestar solidariedade a amigo desavindo com o governador.

Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico Piauiense. Em 1975, ingressou na Academia Piauiense de Letras. Publicou a tese "O Papel de Floriano Peixoto na Obra da Proclamação e da Consolidação da República", para a realização de um concurso de professor, em que foi aprovado. Mais dois livros seus foram publicados pela sua instituição acadêmica: "A República dos Mendigos", romance de caráter político, e "Copa e Cozinha", de estudos sociais e históricos.

Os anos começaram a pesar-lhe no organismo sofrido de muitas lutas. Não arrefecia, porém. Escrevia e lecionava. No governo Chagas Rodrigues teve a nomeação como diretor do Colégio Estadual. Depressa deixou as funções em protesto contra juiz de direito da capital que concedeu mandado de segurança a um professor por ele punido.

Os princípios da velhice e depois a velhice fizeram que serenasse mais as atitudes. Disciplinou-se. Muito sofreu, mas muito se realizou combatendo os poderosos sem temer violências ou perseguições.

A 21 de janeiro de 1990, pelas três horas da madrugada, o companheiro rebelde fechou os olhos a este mundo que lhe foi muito ingrato, cujas injustiças ele combateu com energia e coragem. Despediu-se o velho mestre, deixando a lembrança de um forte temperamento e de invulgar capacidade de escrever sobre assunto vário. Como quis, jaz no cemitério da sua querida Amarante.


A. Tito Filho, 01/03/1990, Jornal O Dia.

quinta-feira, 24 de junho de 2010

MEMÓRIA

Andava eu pela adolescência quando conheci Esmaragdo de Freitas, a quem meu pai dedicava profunda admiração. Gostava Esmaragdo de uns dedos-de-prosa com colegas julgadores, na praça Rio Branco, de Teresina, boca da noite. Ali o vi muitas vezes. Sério, grave, homem cara-de-poucos-amigos, mas de imenso coração, de muita bondade. Impoluto e escrupuloso. Devotou aos semelhantes grande parcela do seu valor, orientando os moços com exemplos de rígido caráter, ora auxiliando os que, por fraqueza, incorriam na censura ou na condenação pública.

Era traço da sua personalidade: não humilhar. Lembra-me que, em 1946, se reunia, no Rio, em sessão secreta, a Assembléia Constituinte. Os legisladores discutiam caso de sensação, escandalizado pela imprensa, que nele via atentado sério ao decoro do parlamento brasileiro. Nessa reunião de portas fechadas, os congressistas advogavam a cassação do mandato do parlamentar faltoso. Bastou, porém, que Esmaragdo, sempre tão calado e reservado, condenasse a atitude dos colegas, para que estes, apercebidos do senso de suas ponderações, cedessem à força de autoridade daquele que as pronunciava.

*    *    *

Estudante no Rio, em 1945, vi de perto os acontecimentos políticos que empolgavam a nação: entrevista de José Américo de Almeida, de condenação ao regime ditatorial chefiado por Getúlio Vargas - a entrevista célebre com que se reconquistou a liberdade de pensamento; a candidatura do brigadeiro Eduardo Gomes, de Eurico Dutra, de Yedo Fiúza e de Mário Rolim teles à presidência da República; a queda de Vargas, noite de 29 de outubro de 1945; a posse de José Linhares, presidente do Supremo Tribunal, na chefia do governo; finalmente, as eleições de 2-12-1945, com a vitória de Dutra. O notável Esmaragdo recebia a consagração dos piauienses elegendo-se senador da República.


A. Tito Filho, 14/04/1989, Jornal O Dia. 

terça-feira, 22 de junho de 2010

SETENTA ANOS

A 4 de agosto de 1901 - conta João Pinheiro - reuniram-se, em casa do próprio memorialista, rua da Glória, Higino Cunha, Arquelau Mendes, Luís Evandro Teixeira, Domingos Monteiro, João Pinheiro, Antonino Freire, Clodoaldo Freitas, Manoel Lopes Correia Lima, João José Pinheiro e Fócion Caldas, e criaram a Academia Piauiense, para constante trabalho em favor do primeiro domingo seguinte, o que não houve. A iniciativa faleceu no nascedouro. Surgiram outras associações literárias, como a "Sociedade José Coriolano", os grêmios "Esperança", "David Caldas", e o primeiro “Cenáculo Piauiense de Letras”, em 1913, nascido morto.

Fundaram-se seguidamente o Congresso Estadual de Letras (1914), a Academia Piauiense de Letras (1917), a Arcádia dos Novos (1918), o Cenáculo Piauiense de Letras, pela segunda vez (1927), a Associação dos Moços Teresinenses (1932) e o Clube dos Novos (1946), este sob o comando de M. Paulo Nunes, para falar das entidades criadas antes do primeiro centenário de Teresina, todas de vida curta, com exceção da Academia Piauiense de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico do Piauí, - e este não morreu por virtude dos teimosos e grandes esforços de Josias Carneiro da Silva.

A idéia de fundar a Academia Piauiense de Letras coube a Lucídio Freitas, jovem poeta muito admirado. Deu-se o episodio as nove da manha de 30-12/1917, no Salão nobre do Conselho Municipal, Praça Marechal Deodoro, prédio em que durante muitos anos funcionou a Intendência e de 1936 em diante a Prefeitura. Fundadores, por ordem do registro da ata respectiva: Higino Cunha, Clodoaldo Freitas, João Pinheiro, Fenelon Ferreira Castelo Branco, Jônatas Batista, Edison da Paz Cunha, Antônio Chaves, Benedito Aurélio de Freitas, Celso Pinheiro e Lucídio Freitas, que foi presidente da reunião.

De 1917 até hoje governaram o sodalício os presidentes Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, Matias Olímpio, Martins Napoleão, Álvaro Ferreira, Clidenor Freitas Santos, Simplício Mendes. Desde 1971, vem sendo conduzida humildemente pelo autor destas notas.

A instituição manteve-se fiel a Lucídio Freitas e aos seus nove companheiros fundadores. Funcionou em casas particulares, em prédios oficiais ou alugados pelo governo, viveu sem tostão, aqui e ali auxiliada por governantes decentes que lhe publicavam a revista e obras literárias dos acadêmicos - mas nunca esmoreceu. Possui hoje a sede própria e sustenta-se de pequenas rendas que lhe proporcionam órgãos do governo, e prossegue, com dignidade, o modesto trabalho de bem servir, sem que jamais tenha cobrado de quem quer que seja pagamento de serviços prestados, pois tem como dever precípuo a cooperação com a vida cultural da terra.

Setenta anos está inteirando a Casa de Lucídio Freitas neste dia 30 de dezembro de 1987. Orgulho-me dela e dos companheiros que me ajudam a conduzi-la, no respeito permanente à memória dos que a fizeram e não permitiriam que o ideal morresse - o ideal de Lucídio, tão grande que continua vivo e inspirador.

A. Tito Filho, 30/12/1987, Jornal O Dia.     

segunda-feira, 21 de junho de 2010

DONDON DE SEMPRE

Teresina na década de 20 contava com um jornal crítico por excelência, chamado O DENUNCIANTE, dirigido por Dondon Castelo Branco.

Antigamente, em Teresina, o defunto era conduzido ao cemitério por amigos, a pé. Não havia ainda carro funerário. Atrás do caixão, iam os familiares e os conhecidos e admiradores. Dondon muito se preocupava com o acompanhamento. Em 1928, escreveu no jornal:

"Na hora do enterro apresenta-se um aluvião de pessoas para acompanhar o defunto, porém logo no sair da porta começa a debandada de um, dois, aqui, ali, e acolá, e quando chega do meio do caminho em diante é que a debandada é grande, chegando ao cemitério quase sem acompanhamento, quando não deviam fazer assim, pois se o cemitério é longe ou se a pessoa é velha e não resiste a viagem ou se está doente ou se tem muito trabalho a fazer em casa, ou seja por qualquer motivo, nestes casos será melhor que lá não vá, e não ir somente aparentar, que fica muito feio e se não hão de fazer assim é melhor que peçam desculpas ao dono do defunto, alegando os seus motivos e não voltarem do caminho, como tem acontecido nestes últimos enterros, nos quais, do que menos voltaram foi no enterro do dr. Collect, e no que mais voltaram foi no do dr. Francisco Parentes. Se assim a moda pegar, chegará o dia em que os próprios carregadores também deixarão o defunto no meio da rua até que os donos tomem qualquer providencia em obter com a policia que mande presos conduzirem o defunto a fim de não espocar no meio do tempo".

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Noutra edição do jornal, escreveu:

"No dia 6 morreu nesta capital e enterrou-se no dia 7, Dona Delmira lobão Veras, mãe do médico Dr. Anfrísio Lobão, a quem o dono deste jornal apresenta pêsames extensivos aos demais parentes. Acompanharam o enterro 42 pessoas e voltaram do caminho 21. No outro número serão publicados apenas os nomes das pessoas que chegaram ao cemitério".


A. Tito Filho, 19/02/1989, Jornal O Dia.

 

domingo, 20 de junho de 2010

UM MANICACA

Tencionando documentar Teresina no apagar das luzes do século XIX e combater as práticas e a fé religiosa da coletividade e ainda algumas doutrinas do Catolicismo, Abdias Neves compôs UM MANICACA.

No fim do século registrou: os animados festejos da igreja de N.S. do Amparo, de foguetório e namoricos. As festas de aniversário nas residências, quando os amigos chegam de surpresa, sem aviso: forma-se o baile, dança-se, bebe-se e fala-se da vida alheia. As alegrias públicas com o reconhecimento, pelo governo, dos parlamentares eleitos. O São João festivo, com o boi e fogos de artifício. Serenatas madrugadinas. As sentinelas em casa de defunto.

Registrou a moda do tempo: a bengala, a flor na lapela, o leque, o chambre, o cabelo à escovinha. Não esqueceu os tipos: o acendedor de lampiões, o cangueiro dágua, nem certos hábitos como o rapé, as cartas anônimas, a vida noturna dos homens nos botequins.

Devemos observar que UM MANICACA foi publicado em 1909, embora escrito entre os anos de 1901 e 1902. Com o livro de Abdias Neves inaugura-se praticamente o romance no Piauí. É verdade que antes dele houve “O CASAMENTO E A MORTALHA NO CÉU SE TALHA”, de José Coriolano, "romancinho de enredo simples", "A PEROLA DO LODO", de Francisco Gil Castelo Branco; "BELA", de Leonidas Benício Maris de Sá; "MEMÓRIAS DE UM VELHO", de Clodoaldo Freitas - todos publicados em orgãos de imprensa. Também "O PADRE LUPE", de José Mariano Lustosa do Amaral, inédito, e talvez algum outro inédito de Clodoaldo Freitas.

UM MANICACA é a primeira expressão do romance de costumes entre nós, embora o escritor, documentando a época vivida pela capital piauiense e nos tempos finais do século XIX e alvorecer do XX, pretendesse sustentar as suas idéias anticlericais e o seu ateísmo, condenando os ritos, crenças e processos religiosos da Igreja Católica. Mas é também uma história de pecadores, numa cidade tomada de preconceitos, num tempo em que os ministros de Deus mais condenavam práticas do que educavam os espíritos. Era a exigência da época. A exigência dos costumes, a exigência das mentalidades.

UM MANICACA deve ser visto na personalidade do autor e nos caracteres humanos que davam vida à cidade ainda desumana, suja, sem conforto, impregnada de religiosidade simples, submissa a tabus de vários tipos, vivendo do pequeno comércio, deliciando-se com a intriga e o mexerico. Nela se entrecruzam tipos humanos, quase sempre maledicentes.


A. Tito Filho, 08/12/1988, Jornal O Dia. 

sábado, 19 de junho de 2010

LILIZINHA

Pais: Heitor Castelo Branco e Emilia Leite Castelo Branco. Não é piauiense de nascimento, mas no Piauí se integrou desde criança. Residiu alguns anos em Belém. Alta funcionária da Secretaria de Educação, dirige com proficiência a Casa Anísio Brito (Museu Histórico e Arquivo Público do Estado) em Teresina. Pertence ao Conselho Estadual de Cultura do Piauí.

Colaborou na imprensa do Rio de Janeiro ("Diário Carioca") e colabora frequentemente na de Teresina, assinando artigos de crítica literária, de incentivo às letras, de análise de fatos da coletividade. Jornalisticamente, tem linguagem de muita simplicidade.

Muito nova escreveu contos e um deles mereceu prêmio da revista carioca "Vida Doméstica".

Dedicou-se à ficção e três romances já saíram de sua lavra: "Sinhazinha do Karnak", "A Mendiga do Amparo", "Quinze Anos depois", recebidos com entusiasmo pelos críticos de literatura. Capítulo do primeiro dos citados livros teve acolhida em obra didática, tal a delicadeza do estilo e a fidelidade na descrição das paisagens. Seu último romance tem o nome de "O Juramento".

De muita profundidade psicológica é o seu "A Mendiga do Amparo", da forma que acentua o acadêmico J. Miguel de Matos. Da "Sinhazinha de Karnak" disse Isabel Vilhena, com muita acuidade, que pode figurar ao lado da "Senhora de Engenho", de Mário Sette, e de "A Morgadinha dos Canaviais", de Júlio Dinis.

Lilizinha Carvalho, como é mais e muito conhecida, dispõe, realmente, de muitas virtudes para a composição do romance. Narra com delicadeza, observação atenta, delineia bem os tipos, tem grande fidelidade às paisagens físicas e humanas e muita atenção ao tempo em que se desenrolam os seus romances. Não exagera as histórias que conta, porque antes de tudo parece que os episódios foram presenciados pela sua agudeza de percepção. A linguagem não aparece, momento algum, enfeitada. Antes, delícia pelas expressões justas e necessárias à compreensão da narrativa e do dialogo.

Chamou-se Emília Castelo Branco de Carvalho. Faleceu em 15 de outubro de 1980.


A Tito Filho, 13/10/1989, Jornal O Dia.

   

quinta-feira, 17 de junho de 2010

NOMES DE RUAS

Domingo, 23 de abril, um dos jornais de Teresina andou pelos bairros Poti Velho e Mafrense. Colheu depoimentos de moradores e estes atestaram que desconheciam os nomes de batismo de certas ruas. Citaram-se Jean Le Lonnés, Roland Jacob, Gaston de Greslan, Melvin Jones, Saba Said e outros.

Faz algum tempo as vias públicas de Teresina passaram a receber denominação em homenagens aos que prestaram serviços relevantes à coletividade, considerando-se relevante o trabalho de motoristas humildes, pioneiros no rasgamento de estradas, compositores, professores, operários, soldados, mestres-de-obras - enfim, de qualquer do povo dedicado ao interesse coletivo. O merecimento não estava apenas com as figuras eminentes, governadores, desembargadores, embaixadores, senadores, deputados. Os pobres também eram merecedores de aplausos.

Quase cem por cento dos teresinenses não sabem identificar as pessoas das placas de vias públicas. Quem foi João Isidoro da Silva França? Quem foi Mestre Estevão? Quem foi Licurgo de Paiva? Quem foi Luísa Amélia Brandão? Raros podem dar respostas certas. Raríssimos.

GASTON DE GRESLAN nasceu na França. Fixou-se na capital piauiense em 1930. Exerceu no antigo Departamento da Saúde, de 1946 a 1970, as funções de médico-veterinário. Intransigente na fiscalização dos alimentos vendidos ao povo. De coragem sublime. O decreto nº 74 pôs o seu nome numa rua do Bairro Alvorada. JEAN DE LONNÊS nasceu na França. Participou da primeira grande guerra. Contador. Durante muitos anos foi administrador e gerente da firma comercial Marc Jacob, de Teresina. ROLAND JACOB nasceu na França. Fixou-se no Brasil em 1923. Precursor da exportação de matérias-primas do Piauí. Desenvolveu o nosso comércio, fundou lactários e creches. Cidadão piauiense por lei. O decreto 74 do prefeito homenageou-o com o nome em rua do bairro Mafrense. MELVIN JONES nasceu nos Estados Unidos. Grande incentivador da prática do escoteirismo. Nome de rua em (no) São Cristóvão foi humilde comerciante sírio. Rua de (do) São Cristóvão.

Os humildes também são filhos de gente. A ignorância por vezes leva a injustiça. Quem quiser saber sobre os nomes de ruas de Teresina, tenha a bondade de procurar-me na Academia Piauiense de Letras.

A. Tito Filho, 03/05/1989, Jornal O Dia.  

terça-feira, 15 de junho de 2010

INTEGRAÇÃO CULTURAL

Em 1910, a praça Uruguaiana, hoje Rio Branco, viveu dia de festa, com inauguração do seu ajardinamento, obra do intendente José Pires Rebelo. Dois anos depois, o logradouro recebia luz elétrica, e se tornava o local das retretas inesquecíveis, dos passeios de moças e rapazes, em noites que não voltam mais. Manhãs tardes, o centro comercial da cidade. Era a praça preferida de todos. Com o correr dos anos, nela havia o principal cinema, o "Olímpia", e o Bar Carvalho, reunião do soçaite da época para sorvetes e chocolates, depois das diversões noturnas. 

* * *

Na praça Pedro II, antiga Aquidabã, estava o imponente Theatro 4 de Setembro que apresentava companhias de fora e artistas da terra, inclusive de famílias conceituadas em festas de caridade. Nessa tradicional casa de diversões se realizavam bailes, banquetes, declamações, solenidades cívicas, conferências literárias. Em 1933, o Teatro inaugurava o cinema falado.

Em 1936, o prefeito Lindolfo Monteiro inaugurou a remodelação da praça. Roupagem nova. Bonita e faceira. Cheia de luzes e de plantas. Coreto e fonte luminosa. Deslocou-se a freqüência da Rio Branco para o novo bem-querer do teresinense. Surgiram nela bares e sorveterias. Nas proximidades, estava o Clube dos Diários, que desde 1922 atraia o teresinense para as suas bonitas reuniões dançantes.

* * *

No fim da década de 60 o clube entrou em declínio. Tornou-se decadente. Novos tempos. Outros bairros e novas entidades recreativas. Em 1974-1975, reformaram-se o Teatro e a praça Pedro II, - um e outra já desprezados pelo povo educado. Com o correr dos dias, a praça Pedro II transformou-se em condenável concentração de gays e sapatões, viciados em drogas, marginais. Botecos funcionam até de manhã.

* * *

Suzana Silva, secretária da Cultura, pretende recuperar toda a área da praça, incluindo o Clube dos Diários, em que funciona agora jogatina permanente e convivem mulheres de livre e raparigas velhas surradas. Ambiente de menores vadios, de perdição e luxúria.

Seria um grande serviço à cidade a recuperação da praça, do centro de artesanato, do Teatro, do Clube. Criar-se-iam escolas de dança, de artes plásticas, de música, cinema e teatro, galeria de artes, oficinas, lojas, - tudo sobre a responsabilidade de uma Associação de amigos do Centro integrado de Cultura do Piauí.

Grande idéia, merecedora do mais completo apoio daqueles que devotam amor a esta cidade querida.


A. Tito Filho, 06/03/1990, Jornal O Dia. 

segunda-feira, 14 de junho de 2010

O VELHO TEATRO

Como teatro, o 4 de Setembro desempenhou o papel que lhe coube na marcha do tempo até certo tempo. Assim, durante muito tempo nele não se interpretaram peças que representassem retrato realista da sociedade, mas comédia para rir, ou dramalhão para chorar. O vilão era sempre derrotado, os amantes sempre se uniam num final feliz. Ninguém meditava em função dessas peças.

Houve em Teresina apresentação do teatro de Martins Pena, que alguns entendem como critico de costumes, mas que julgo registrador de costumes; de Joaquim Manoel de Macedo, mau comediógrafo, e de França Júnior, de real veia cômica.

O 4 de Setembro acompanhava a marcha do teatro nacional: comédia e drama, farsa e dramalhão. Não se livrou do dramalhão "Deus lhe pague", de Joracy Camargo, depois de 1930.

Em 1938, Paschoal Carlos Magno criou o Teatro do Estudante, que só chegaria ao 4 de Setembro em 1952 - quando o prédio era um inferno, no dizer do próprio Paschoal.

A partir de 1942, renovam-se cenários e textos do teatro nacional. O Polonês Ziembinsky organiza "Os comediantes". Nélson Rodrigues, oito anos depois, torna-se desbravador - precursor do teatro moderno, do teatro brasileiro. Leva para as suas peças a patologia individual e familiar, marginal e o homossexual. Surge Jorge de Andrade e a temática psicossocial de Pedro Bloch. E o teatro infantil. O ciclo nordestino do fanatismo ("Pagador de promessas"), do cangaço e do coronelismo ("Auto da Compadecida"), da pobreza e do abandono ("Morte e vida Severina"): Antônio Dias Gomes, Suassuna, João Cabral de Melo Neto.

Na década de 60, grupos teatrais novos. Montagens abertas, livres (arena). Reestudo da história. Em 1968, Plínio Marcos invade o bas-fond.

O Brasil continua a bater palmas a Moliére, Shakespeare, Sófocles, Brecht, Gorki, Camus, Pirandelo, Casona, Lorca, Claudel.

No Piauí, nada. Paschoal Carlos Magno com os clássicos gregos em 1952, Plínio Marcos uma vez, uma vez Pedro Bloch - e aqui e ali o esforço da gente de casa, escrevendo peças, interpretadas por amadores - noutros salões, pois o 4 de Setembro cada dia mais oferecia péssima condição de sujeira e fedentina ao público que lá não ia.

A. Tito Filho, 06/12/1989, Jornal O Dia.

domingo, 13 de junho de 2010

4 DE SETEMBRO - I

Pretende-se neste ano de 1989 comemorar o centenário do Teatro 4 de setembro, o que não corresponde a verdade histórica. A 4 de Setembro de 1899, senhoras de Teresina, à frente Dona Lavínia Fonseca, estiveram no Palácio do Governo, na Praça da Constituição, hoje Deodoro, e pediram que o presidente da Província construísse um teatro condigno para o desenvolvimento artístico da capital. Desapareceu o regular Teatro Santa Teresa, e o Teatro Concórdia, desconfortável, já não preenchia as suas finalidades. O chefe do Governo assegura que construiria a solicitada casa de diversões e para isso logo destinou trinta contos de réis ao empreendimento, sugerindo que o edifício futuro se denominasse Teatro 4 de Setembro. Só a 21 do mesmo mês houve a pedra fundamental. As obras se realizaram lentas, por quase cinco anos, com interrupções. Somente em 21 de abril de 1894 deu-se a inauguração festiva da notável obra conduzida pela competência de Manuel Raimundo da Paz. Assim, o Teatro integra 100 anos a 21 de abril de 1994. Não se poderia admitir outra data. Juscelino começou Brasília em 1956, lançou os fundamentos da nova capital, mas a data oficial da fundação é o ato inaugural, 21 de abril de 1960. O centenário da igreja São Benedito se comemorou festivamente em 3 de junho de 1986, pois o templo foi inaugurado por Frei Serafim em 3 de junho de 1886, embora o piedoso sacerdote tenha colocado a pedra fundamental em 13 de junho de 1874. Doze anos duraram os trabalhos de construção. Comemorar em 1989 o centenário do Teatro 4 de Setembro significa fugir à realidade dos fatos. Não existe uma obra antes que ela seja terminada. Salvo melhor juízo dos doutores e dos pesquisadores nestes assuntos.


A. Tito Filho, 04/03/1989, Jornal O Dia.  

sexta-feira, 11 de junho de 2010

MEMÓRIA DO COMÉRCIO

Eram 1932. Chegamos a Teresina em companhia do saudoso pai, que vinha assumir juizado de direito. Moramos na rua Lisandro Nogueira (Glória antiga), bem perto do mercado central. Passamos, ainda nesse ano, a residir na rua São José (Félix Pacheco), próximo, muito próximo da praça Saraiva. Defronte, mantinha sortida mercearia, o português José Gonçalves Gomes, cidadão conceituado e que muito honrava a atividade comercial. Dessa época distante ainda nos lembramos da Casa Carvalho; de Deoclécio Brito, o primeiro concessionário Ford e das máquinas de escrever Remington; de Manoel Castelo Branco e Anfrísio Lobão, que se tornaram donos da Agência Ford; de Afrodísio Tomás de Oliveira (Dôta), de João de Castro Lima, (Juca Feitosa), cuja loja vendia artigos diversos, inclusive livros de autores portugueses e brasileiros; de Lili Lopes, à frente da Botica do Povo; de Manuel Madeira, português, vendedor de bolos e pastéis (praça Rio Branco), talvez o pioneiro de lancheiras em Teresina - e de vários bares e botequins como o frequentadíssimo Bar Carvalho, de José Carvalho, o Zecão, homem de bem, de muitos amigos, que oferecia, no estabelecimento bilhares, café, sorvete, chocolate e convidativo restaurante sob o comando do espanhol Gumercindo, introdutor de filé de grelha, feito na chapa do fogão na culinária teresinense. Alcançamos o famoso Café Avenida, feito de madeira, na praça Rio Branco. Construiu-se outro, em 1937, de dois andares, amplo, ao lado do Hotel Piauí (Luxor) freqüentado de homens ilustres. Foi derribado. No local hoje se estacionam veículos.

Algumas entidades de classes surgiram no correr dos anos, como a Estímulo Caixeiral (empregados no comércio), iniciativa de Manuel Raimundo da Paz; a Associação dos Empregados no Comércio (1928), a Associação dos Varejistas de Teresina (1929), o Sindicato dos Lojistas de Teresina e a Federação do Comércio dos Varejistas do Piauí - as duas últimas parece-nos que sob a orientação de Miguel Sady.

Houve um grêmio de natureza social e cívica - a Sociedade Jovem Síria, criada em 1916, que muito animou a vida teresinense. Ainda em atividade se encontra o Clube das Classes Produtores, idealizado por Valdemar Martins.


A. Tito Filho, 04-05/12/1988, Jornal O Dia. 


quinta-feira, 10 de junho de 2010

CROMWELL

Nasceu em Amarante (PI), a 28-12-1883, e faleceu em Teresina a 10 de novembro de 1974. Filho de Raimundo Barbosa de Carvalho e Júlia Maria Gonçalves. Estudos primários na terra natal. Cursou o Seminário da Prainha (Fortaleza). Transferiu-se depois para o seminário de Santo Antônio (São Luís). Por motivo de saúde, voltou a Amarante e, em 1901, matriculou-se no Liceu Piauiense, de Teresina, efetuando, no fim do ano, todos os exames preparatórios de uma só vez. Professor de Português em Amarante. Agente Fiscal do Imposto de Consumo. Em 1903, era aluno da Faculdade de Direito do Recife. Colou grau em 1907. Regressou ao Piauí, exercendo os seguintes cargos: Juiz Distrital em Valença do Piauí, Juiz de Direito em Floriano, Procurador dos Feitos da Fazenda Nacional em Teresina, Promotor Público em Caxias (MA) - cidade em que se casou com Virgínia Wall de Carvalho. Retornando ao Piauí em 1932 foi nomeado representante do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas. Secretário de Estado do Governo (administração de João Luís Ferreira). Promotor de Justiça Criminal de Teresina no governo Matias Olimpio de Melo. Desembargador do Tribunal de Justiça do Piauí, de 1927 a 1930. Chefe de Polícia (Governo Leônidas Melo).

Como jornalista fundou "O Operário", em Amarante, e "O Bloco", em Caxias. Colaborou em "Jornal do Piauí", escrevendo crônicas, sobretudo.

Um dos fundadores da Faculdade de Direito do Piauí, da qual foi professor de Direito Penal e diretor, durante muitos anos.

Escreveu primorosas poesias e notáveis estudos jurídicos.

Obra principal: "Município versus Estado", em que estuda, com abundância de conhecimentos, a autonomia municipal em face da Constituição Federal de 1891.

Cromwell Barbosa de Carvalho foi recebido na Academia Piauiense de Letras, como titular da cadeira nº 3, por Cristino Castelo Branco, dia 7-9-1925. Tinha-o a mocidade como dos mais justos e cultos mestres do Direito. Estudioso e de extrema fidelidade à missão de educador, engrandeceu o magistério, na amizade com os jovens, na apostolar dedicação, às aulas, na luta constante em favor da Casa que foi, em determinada época de sua vida extraordinária, a preocupação maior dos seus esforços - a Faculdade de Direito do Piauí, que ele dirigiu por longos anos, fê-la respeitada, torno-a o centro maior da obra educacional superior em nossa terra e conseguiu, com tenacidade e abnegação, federalizá-la em 1950. Cromwell projetou-se, pela inteligência aprimorada, na vida intelectual do Piauí, o que lhe valeu, com justiça, assento na Academia Piauiense de Letras. Poeta, jornalista, professor, jurista - deixou ao patrimônio espiritual do Piauí valiosa produção, entre a qual se destaca obra de mérito - o profundo estudo de sociologia e direito, intitulado “Município versus Estado", fonte de inumeráveis consultas, tal a segurança de conceitos e as teses defendidas pelo inesquecível conterrâneo.

Conseguiu a federalização da Faculdade de Direito do Piauí, em 1950, no governo do presidente Dutra - a primeira escola superior que integrou nossa Universidade Federal.


A. Tito Filho, 01/04/1988, Jornal O Dia.  

segunda-feira, 7 de junho de 2010

IGNORÂNCIA E PRECONCEITO

Desde que me dediquei ao estudo da história do Piauí, sempre atribui a minha humildade grande admiração a Oeiras. Várias vezes a visitei, por convite dos filhos ilustres dessa cidade-monumento de civismo. Nela compareci nas festas comemorativas das suas datas maiores, em companhia de familiares, enfrentando horas e horas de estrada em nosso próprio carro, por vezes com sacrifício do repouso. Na Academia Piauiense de Letras, publiquei livros dos seus escritores. A pedido de B. Sá e Pedro Ferrer consegui levar Luis Carlos Prestes à velha capital. Ainda o ano passado dei tudo de mim para homenagear a memória de Nogueira Tapety.

No recente aniversário de Teresina fui procurado por uma jornalista para entrevistar. E ela me perguntou qual a primeira razão que teria levado José Antônio Saraiva a retirar o governo de Oeiras e plantá-lo numa cidade nova construída pelo baiano. Respondi que certamente a primeira razão estava em que a cidade não prestava. Ninguém ignora a circunstancia de que essas repórteres de TV passem quase uma hora a dirigir perguntas ao entrevistado, filmam a gente de várias maneiras, mas só exibem ao público um minuto da entrevista. Pura verdade. Se a minha tivesse sido toda televisada, os telespectadores teriam ouvido explicações corretas, e uma delas representada pelo completo isolamento de Oeiras, isolamento do Piauí, do Brasil e do mundo. Culpa não me cabe se Saraiva não gostava da cidade, da cidade daquele tempo. Oeiras hoje é outra, simpática e hospitaleira.

José Expedito Rego, oeirense de sete costados, romancista de mérito, o mais notável conhecedor da velha Oeiras, escreveu que a vida na cidade antigamente seguia parada e sem futuro. Diz mais. que Manuel de Sousa Martins se não tivesse a mãe velha e doente se mudava para a Bahia. Um governador confessou ao Padre Marcos que "isto aqui fica muito perdido no mundo...", "E os anos passavam no velho marasmo...", sustenta Expedito. Descreve o romancista o palácio do governo preparado para um novo presidente da Província: "... um prédio de paredes rachadas, soalho grosseiro, portas e janelas com rachaduras, móveis toscos, as cadeiras de assento preto e pregos de latão". Era o palácio do governo.

Rio Pardo, outro presidente, teve estas referencias de José Expedito Rego: "Fazia-lhe mal a água de Oeiras, pouco salgada ao sensível estômago presidencial. Padecia do fígado desde a chegada. As comidas gostosas, carregavam-se de gorduras, inadequadas ao clima quente da região. Por vezes, carne enfezada. Bom mesmo, entretanto incomodava, só o sino da matriz, batendo às onze da noite, forte, de som agradável, como os das velhas igrejas da Bahia".

Em razão disto, Rio Pardo escreveu uns versos, mais ou menos assim:

Oeiras do Piauí a capital
Em estéril terreno edificada
Só tem bom o relógio da matriz...

A jornalista me perguntou o motivo primeiro pelo qual Saraiva queria mudara a capital. Respondi que Oeiras não prestava, sim, não prestava para Saraiva, pois não vivi nesse tempo. Mas sobre mim caíram raios e trovões da ignorância, mão do preconceito e da burrice. Eis o telegrama que me passaram nove gatos-pingados que se dizem INTÉRPRETES DO SENTIMENTO POPULAR: "Interpretando sentimento popular repudiamos seu juizo sobre Oeiras infeliz e debochavativa entrevista TV Clube pt Teresina merece nosso respeito pt Oeiras merece também seu respeito pt Vossência talvez não seja digno do respeito que nós lhe conferimos pt Atenciosamente aa) Rossana Ferreira, Manoel Felipe Rego, Darcy Filho, Mauro Tapety, Claudete Maria, Raimundo Batista, Celia Carneiro, Inamorato Reis, Carlos Rubem".

Meus pés, se Deus me ajudar, nunca mais pisarão em Oeiras, onde existem pelo menos alguns débeis mentais.

O telegrama acima tem a responsabilidade perante o telégrafo do individuo Carlos Rubem, meio analfabeto, sem nenhuma autoridade moral para julgar quem seja digno de respeito, pois vive na gostosa maracutaia de ser promotor público de Simplício Mendes e residir em Oeiras. Aparece na comarca para enfiar na bolsa ambiciosa os dinheiros fartos do pobre Estado do Piauí.

Só se exige a dignidade alheia quando em primeiro lugar nós a possuímos.

A. Tito Filho, 25-26/07/1991, Jornal O Dia.

domingo, 6 de junho de 2010

COMÉRCIO ANTIGO

Em 1860, a imprensa de Teresina dava publicidade de ceroulas de linho e relojoaria. Três anos mais tarde já se vendiam jóias de ouro. As modas de Paris parece que chegaram em 1868, época em que se introduziam escarradeiras de porcelana nas residências de luxo. Talvez a venda de piano e de brins de Hamburgo seja de 1877. Vimos noticias de restaurante público em 1876, dum sujeito chamado José Pico.

"Por volta de 1880 - informa Monsenhor Joaquim Chaves - os principais estabelecimentos comerciais de Teresina eram os seguintes: o Mundo Elegante, a Loja Francesa, a Loja Brasileira, o Bon Marché, o Bazar do Luisinho, o Bazar 24 de Janeiro, a Loja do Macário, a Loja da Viúva Santana, a Livraria Econômica, a Drogaria Imperial”.

Parece-nos que a vitrola marca Victor e discos começaram a ser vendidos em Teresina aí por 1912. Preço de 80$000 a 600$00. Representante: A. Carvalho & Cia., Praça Saraiva, nº 4. Temos que a venda a prestações (semanais ou mensais) teve início com esses antigos aparelhos de reprodução do som gravado.

No romance "Um manicaca", Abdias Neves faz referencia ao comércio de Teresina nos últimos tempos do século XIX: "Aqui e ali estavam lojas abertas e caixeiros derreados nos balcões, sem fazer nada, à espera do toque libertador das nove horas. Poderiam, então ir tomar parte, também, nas festas. Não nas do culto - que terminavam, a essa hora, com a retirada da música da Polícia; mas nas festas profanas dos botequins, onde a graça das prostitutas em moda cintilava até ao amanhecer, na desenvoltura e nos entusiasmos de uma embriaguez sem fim".

Essas lojas de antigamente se abriam às sete da manhã e se fechavam às nove da noite.

Quando, de Barras (PI), viemos morar na capital, minha família e eu, o horário se havia modificado. E em 1933, abril, o decreto nº 22, do prefeito Luís Pires Chaves, adotou o seguinte regime para o funcionamento das casas comerciais: zona norte, das 8 às 12 e das 14 às 18; zona sul: das 7 às 11 e das 13 às 17.

Bons tempos de uma Teresina pitoresca.

A. Tito Filho, 03/12/1988, Jornal O Dia.

A BOA TERESINA

Vejo-a sem as pracinhas de donzelas faceiras, que rodavam num sentido, os gajos em sentido contrário, no fascinante namoro de olhos... No cinema, o casal se dava o gosto de bolinação... Namoro de mão nos peitinhos arrebitados.

Vejo-a sem o símbolo que foi a Maria Preá, mulata boa de cama, com estudante de bolso vazio ou desempregado de prestígio firmado.

Hoje, vejo-a urbanizada de pombais, ou casinholas habitadas do êxodo interiorano; povoada de veados de luxo ou simples viciados na inversão dos locais do prazer; vejo-a na falsa convivência dos coquetéis, das uiscadas e das festas de caridade; vejo-a no comércio com o nascimento de Jesus e com as mães, merecedoras pelo menos de um pouco de respeito; vejo-a despudorada, meninas ricas sem roupa, por deboche, meninas pobres do mesmo jeito, por miséria. Vejo-a uma imensa putaria de homens e mulheres, com as devidas exceções; vejo-a violenta, estúpida, deseducada - milhares tipo debaixo-da-ponte, alguns felizardos da vida ociosa à custa de golpes e falcatruas e outros tantos no repasto oficial da República sem freios.

Vejo-a sem futuro, sem esperança, mas ainda creio no resto de otimismo que me sustenta os olhos sofridos da saudade dos tempos que não voltam mais...

A. Tito Filho, 03/01/1989, Jornal O Dia.

sábado, 5 de junho de 2010

CONTRIBUIÇÃO DOS MOÇOS

Dirigimos o Colégio Estadual do Piauí, o velho e querido secundário fundado por Zacarias de Góis e Vasconcelos, no Piauí-Província, hoje com o nome do fundador - dirigimo-lo no período de 1954-1958, e dele guardamos proveitosa experiência: os moços são bons, amigos sinceros e gostam das atitudes sérias e da ordem, da disciplina consciente, do estudo e da convivência. Desviam-se do caminho certo quando por parte dos adultos recebem a lição da sem-vergonhice, da desonestidade, da desfaçatez, do inescrúpulo, do cinismo. Existiram, pois, maduros transviados, e o transviamento do jovem se daria por através daqueles.

No enterrado mês de setembro de 1987, decorreu o primeiro centenário de nascimento de Raimundo Zito Batista, poeta de bonitas concepções líricas, nascido em Natal, povoado de Teresina, depois unidade piauiense autônoma com o batismo de Monsenhor Gil. Estudiosos universitários dessa simpática comunidadezinha, antigo quartel de Luiz Carlos Prestes no cerco da capital piauiense, demonstraram que a mocidade tem riqueza cívica e espiritual - e criaram a Associação Universitária de Monsenhor Gil, cujas primeiras atividades se voltaram para reviver a figura do poeta Zito Batista, e o fizeram de maneira exemplar, num debate sobre a poesia do homenageado, e deram à luz plaqueta em que se reuniram comentários de boa cepa de talentosos estudantes conterrâneos do centenariante - critica literária do melhor conceito. J. Cardoso do Nascimento Junior, Mario Medeiros, Joaquim Campelo Filho, Carlos Alberto Pessoa prestaram serviços valiosos à literatura piauiense, em analise e interpretação de uma obra vasta e complexa, ao mesmo tempo em que viveram instantes de glória do infeliz e angustiado versejador.

Raras instituições piauienses se lembraram de Zito Batista. Sabemos de duas: a Academia Piauiense de Letras, que divulgou a vida e obra do poeta pelo jornalismo, e a promissora Associação Universitária de Monsenhor Gil, com o apoio e a solidariedade da Secretaria de Educação e da Casa de Lucídio Freitas.

A novela nacional pelas tevês não permite que se conheçam a inteligência e o poder criativo dos piauienses mortos. Melhor a educação para a ignorância aprendendo-se que Édipo-rei não passou de reles contrabandista de pedras preciosas.

Graças a Deus Sófocles está vivo - porque os mortos, na sentença de Grieco, não raro mais vivos que os vivos, como a contribuição dos jovens de Monsenhor Gil provou.

A. Tito Filho, 06/11/1987, Jornal O Dia. 

sexta-feira, 4 de junho de 2010

PADRE CHAVES

Monsenhor Joaquim Chaves, o Padre Chaves, como ele gosta de ser chamado, faz muitos anos que se dedica de corpo e alma à igreja do Amparo, a primeira de Teresina, a igreja do seu amor. Sacerdote virtuoso, coração de bondade e sentimento, venera-o a paisagem teresinense, a que ele tem doado o melhor de uma vida de trabalho espiritual intenso, rezando missa, batizando menino, casando noivos, confessando pecadores, confortando fieis. Todos gostam das práticas religiosas que ele realiza, pois nelas gasta apenas os instantes preciosos, com o que exonera a gente da freguesia de demoradas cerimônias e prédicas puxadas. Adota receita segura para não prejudicar a paciência do próximo, ao mesmo tempo em que se põe sempre solicito e amigo, leal e correto, inexcedível no querer bem aos outros.

Ao lado da piedade, debruça-se sobre a pesquisa histórica, persistente, sustentado por capacidade de observar, e desse esforço surgiram escritos de valor, úteis, honestos, rico patrimônio para repasto dos estudiosos. O seu livro sobre Teresina, que se incorporou às festas comemorativas dos primeiros cem anos da cidade como documentário expressivo, lembra as fases iniciais da capital piauiense, as ruas, os cafés, os furdunços carnavalescos, as manifestações religiosas, os episódios cívicos, o telegrafo, barco de vapor, a higiene, a policia, as escolas, os passeios de cavalo, enfim o que ia nascendo, o que se ia criando, os passos inaugurais dos costumes e do progresso da comunidadezinha plantada pelo conselheiro José Antônio Saraiva, o fundador. E os forrós. E os serenos de baile. E a discurseira laudatória nos banquetes e bródios. Quantas cousas antigas, com cheiro de mofo, o bom do padre buscou em registros velhos e delas fez obra saborosa.

Neles o pesquisador preocupa-se sobretudo com a verdade e tem coragem de assentá-la e escrevê-la. As lições dos seus livros constituem fonte segura para conhecimento de variado aspecto da história do Piauí, que ele expõe e analisa com critério. Oferece estilo plástico, prosa ágil, sabe reviver o passado e os homens que o construíram, e as criticas de forma imparcial e cuidadosa.

De mim, julgo-o historiador sereno, hábil, metódico, às vezes irreverente, apoiado sempre sobre invulgar capacidade de discernir e interpretar.

Teresina tem bons historiadores, como Pereira da Costa, Clodoaldo Freitas, Higino Cunha, para citar alguns mortos ilustres. Dos vivos, muitos são os pesquisadores dos acontecimentos que se verificaram na cidade criada por José Antônio Saraiva, entre os quais Julio Romão da Silva, que recompôs a fundação da cidade num estudo sério e fiel a verdade.

O padre Chaves não se preocupou apenas com os episódios da vida histórica e politica da cidade que tem o nome de gente nobre, foi além, revelando, em livro curioso, aspectos sociais e pitorescos da cidadezinha tranqüila e afetiva. Antes dele, preocupado somente com os costumes do fim do século XIX, só Abdias Neves, num romance naturalista.

A. Tito Filho, 21/12/1990, Jornal O Dia.

quinta-feira, 3 de junho de 2010

PRIMEIROS SENADORES REPUBLICANOS

A Assembléia Legislativa do Piauí elegeu os 3 senadores para a Constituinte e primeiras legislaturas ordinárias. Foram escolhidos:

Eliseu de Sousa Martins, o menos votado (3 anos de mandato).

Teodoro Alves Pacheco, o 2º mais votado (6 anos de mandato).

Joaquim Antônio da Cruz, o mais votado (9 anos de mandato).

Eliseu Martins teve ativa participação na Câmara Alta. Doutor em Direito pela Faculdade do Recife. No Império governou o Rio Grande do Norte e o Espírito Santo. Participou de grandes debates parlamentares. Argumentador de têmpera. Corajoso divorcista. Favorável à mudança da capital da República para o Planalto Central do Brasil. Pertencia ao Partido Democrata, antigo Liberal. Nascido em Jerumenha (PI), 1842. Faleceu no Rio de Janeiro (1894).

Teodoro Pacheco era formado pela Faculdade de Direito do Recife. No Império Chefiava o Partido Conservador, que, na República, passaria a Partido Republicano Federal. Advogado. Membro da Junta de Governo Provisório do Piauí logo que se derrubou a Monarquia. Participou da Comissão dos 21 (um representante de cada Estado e um do Distrito Federal) encarregada de dar parecer sobre a Constituição da República decretada pelo Marechal Deodoro. Jornalista de mérito. Partidário da mudança da capital do Brasil para o Planalto Central. Nasceu na Vila do Poti, hoje bairro do Poti Velho de Teresina, em 1850, e faleceu no Rio de Janeiro, em 1891, no exercício do mandato senatorial.

Para completar o mandato de Teodoro Alves Pacheco até 1896, foi eleito em 31.1.1893 o jurisconsulto Antônio Coelho Rodrigues.

A. Tito Filho, 07/11/1989, Jornal O Dia. 

GENTE CORAJOSA

Padre Joaquim Chaves escreveu que em 1875 só existia um a livraria em Teresina - a Livraria Econômica, na rua Paissandu, que vendia gravatas, leques, botinas, chapéus, lãs, chitas, vinhos, doces, biscoitos, queijos, inclusive livros, papel, pastas e objetos de fantasia. Assenta o bom historiador da cidade que nesse tempo as lojas eram verdadeiros bazares, de sortimento variadíssimo. No ano de 1917, quando se criou na Chapada do Corisco o jogo do bicho e se fundou a Academia Piauiense de Letras, vendiam livros quatro firmas: A. Carvalho e Companhia, Gomes Ferreira, João de Castro Lima, Leocádio Santos Irmão e Companhia. No estabelecimento de João de Castro Lima, que o povo chamava de Juca Feitosa, comprei, aos dez anos de idade, exemplares de Pinheiro Chagas, Camilo Castelo Branco, Bernardo Guimarães, Joaquim Manoel de Macedo, Alencar e outros, brochuras empoeiradas, que se atiravam a velhas prateleiras de uma sala mal iluminada, escondida por trás do salão de vendas. Livro era objeto de categoria inferior, adquirido por gente sem que fazeres, desocupada, segundo se comentava. Na década de 30, M. A. Tote tinha loja na rua Coelho Rodrigues com venda de revistas do Rio de Janeiro, frequentadíssima. Vendiam-se também a coleção Terramarear, de muito agrado, narrativas de aventuras em terras misteriosas, as peripécias do Tarzan na selva africana, romances policiais de Edgar Wallace e a ficção científica de Julio Verne. Bons tempos, leitura proveitosa, suculenta, alimento de inteligência. Deixei Teresina para estudos noutras paisagens. Percorri novas pátrias, como a cearense e a carioca. Um dia regressei aos penates, à casa paterna, à terrinha onde a própria dor dói menos, como assentou o Juca Mulato.

Mais livreiros abnegados, corajosos, foram surgindo na cidade raquítica de leires, em que, ainda hoje, o empresário derrama pelo gogó escocês legitimo de custo acima do salário mínimo, mas se recusa a comprar um livro de autor piauiense. Surgiram o aplaudido Nilo Marinho, de dedicação exclusiva a esse mister cívico de distribuir idéias; o inteligente Nobre, descrente do poder público, perseverante, sincero, muito sortido de obras célebres e populares; o inquieto Cineas Santos, estudioso da vida e do homem que nela se agita, principalmente o teresinense; o incansável Pacheco, teimoso na arte de vender, solicito, rabo na rapadura de propagador de coleções ricas e úteis desde moço. Quem mais? Perdão pelas falhas de memória a respeito de gente do passado e do presente. Ao correr da pena, na pressa jornalística que atormenta, não se pode demorar à cata de registros da história dos livreiros de Teresina. Este rascunho tem o objetivo cujo gesto Clidenor Freitas Santos elogiou, o de dotar a cidade com elegante livraria, edifício de três pavimentos - Gilberto Mendes Farias, a quem, numa manhã de justiça, a Academia Piauiense de Letras fez louvação, estendendo a todos os que dedicaram aos teresinenses o carinho e a nobreza do trabalho pelo desenvolvimento intelectual da cidade.

A. Tito Filho, 28/11/1987, Jornal O Dia.